3º tema
Não Estamos sós no mundo
10. Setembro. 2003
(Textos não revistos pelos oradores. Quaisquer erros são
atribuídos à transcrição não
revista das cassetes)
Carlos Coelho
Gostaria de começar por dar as boas vindas ao
Professor Matos Correia, que tem uma larga experiência de docência
universitária e que é nosso companheiro. Foi Chefe de Gabinete do
Primeiro-Ministro Durão Barroso, é Deputado do PSD e foi Vice-Presidente do
Grupo Parlamentar do PSD. Engrossa aquele número de pessoas que ontem vos falei,
que são pessoas discretas mas muito inteligentes e muito sabedoras e
agradecemos o facto de ter aceite o nosso convite para nos falar deste tema
“Não estamos sós no mundo”. Parece uma evidência mas tem consequências
significativas ao nível da relação entre os Estados e na regulação da vida
internacional.
O Dr. José Matos Correia tem como hobby ler,
a comida preferida é o cozido à portuguesa, também partilhada por outras das
personalidades que já estiveram e vão estar connosco ao longo desta semana. O animal
preferido é o gato, não o cão que recolhe a maior parte das respostas. Se
fizermos jus à ideia de que são inimigos fidegais, temos aqui um protector dos
animais que são perseguidos pelos preferidos da maioria. O livro que sugere é
muito significativo, um romance de Camilo Castelo Branco que muitos deviam ler,
"A Queda de um Anjo" e o filme que sugere é o "2001 Odisseia no
Espaço".
Dr. José Matos Correia muito obrigado por ter
aceite o nosso convite e a palavra é sua.
José
Matos Correia – (Deputado à Assembleia da República)
Muito bom dia.
Queria, em primeiro lugar, dar-vos conta de o
imenso prazer que tenho em aqui estar, por razões de ordem vária, desde logo
porque se trata duma organização do Partido Social Democrata, a que pertenço e
do meu querido amigo
Carlos
Coelho, mas também porque se trata de uma universidade e
ainda que uma universidade com carácter diferente, é sempre para mim honroso
participar neste género de actividades, visto que sou, como todos sabem,
professor universitário.
O
Carlos Coelho excedeu-se, evidentemente, nas
referências que fez a meu propósito e nos elogios que entendeu contemplar-me e,
portanto, queria em primeiro lugar dizer-vos para não estarem à espera de
coisas tão importantes ou interessantes como a simpática introdução do
Carlos Coelho pareceria
poder indicar.
O tema que me pediram para abordar, "Não
estamos sós no mundo", dividia-se depois na indicação que me deram, num
conjunto de sub-temas: Demografia, tensões internacionais, linhas de evolução
internacional, blocos económicos, economia política, organismos internacionais
de regulação, princípios das relações internacionais e da política externa
portuguesa. Trata-se de um conjunto de questões que nem num curso inteiro de
Relações Internacionais, quanto mais em 45 minutos, e, portanto, e deixando
algumas coisas que julgo podem ser interessantes desenvolver para a fase das
perguntas e respostas, eu tentei encontrar uma maneira de agrupar estes
diferentes temas, estas diferentes questões e fazê-lo à volta de um conjunto de
ideias essenciais.
Tentando reflectir um pouco sobre a
característica do mundo hoje em dia, a característica do sistema internacional
tal como ele hoje existe e nesta perspectiva tentando indicar 3 ideias
essenciais, dentro das quais eu pudesse fazer, ainda que de uma forma
relativamente breve, alusão a estes múltiplos aspectos que me pediram para
abordar no contexto deste tema. E essas 3 ideias fundamentais, esses 3
conceitos fundamentais resultam, a meu ver, de uma análise minimamente próxima daquilo
que é hoje a realidade do sistema internacional. Não é fácil, hoje em dia,
termos ideias muito claras ou ideias muito definidas sobre o que é o sistema
internacional e como é que ele funciona. Vivemos ainda um conjunto de
realidades que são difíceis de conceptualizar. Vivemos desde 1989 num sistema
que está sistematicamente e está sempre à procura de uma forma de se organizar,
de uma forma de se estruturar, de uma forma de encontrar a estabilidade que
começou durante muito tempo, mas a verdade é que isso é sempre adiado, porque
com a queda do muro de Berlim aconteceram coisas, com o final da União
Soviética aconteceram coisas, mais recentemente com o 11 de Setembro
aconteceram coisas, mais recentemente ainda com a invasão do Iraque e com a
profunda divergência entre os Estados Unidos e a Europa, que essa mesma invasão
gerou, assistimos também a desenvolvimentos novos. Portanto, não é simples nós
estarmos à procura do caminho. Estamos a tactear novas vias, ao contrário do
que aconteceu durante muito tempo em que as coisas eram relativamente claras.
Mas, dizia eu, tentando transmitir um pouco quais seriam os conceitos
essenciais neste contexto, eu organizei a minha exposição à volta de 3 ideias
essenciais, que tentam retratar esta diversidade e este carácter evolutivo do
sistema internacional actual. E essas 3 ideias são as seguintes:
A instabilidade em primeiro lugar, a
interligação em segundo lugar, globalização
em terceiro lugar. Ou
seja, nós hoje olhamos para um sistema internacional que é simultaneamente
instável, em que há uma profunda ligação entre todas as partes que nele
participam e em que há um fenómeno novo, de que todos falam, sobre o qual muito
se diz mas que muitas vezes não se tem a noção clara de quais são as suas
consequências, que é o conceito de globalização. E, portanto, são estas 3
ideias que eu vou tentar transmitir-vos ou o entendimento que tenho sobre as
quais vou tentar transmitir-vos, ao mesmo tempo ensaiando a tal integração das
diferentes questões que me pediram para abordar dentro destas 3 ideias
fundamentais.
Primeiro ponto, a questão da instabilidade.
Não é preciso ser um especialista em política internacional para olhar para o
sistema internacional e ver que o sistema internacional é marcado, de facto,
por uma profunda instabilidade, ao contrário do que aconteceu até 1989. Até
1989 e dentro daquilo que ficou conhecido pelo sistema bipolar, em que dum lado
estavam os Estados Unidos com os seus aliados, do outro lado a União Soviética
com os seus aliados. Até 1989 havia um certo paradoxo, o sistema internacional
era um sistema perigoso, claramente, sempre à beira de um conflito entre as
duas super potências, mas era ao mesmo tempo um sistema previsível, havia os
bons e os maus, nós éramos os bons os outros eram os maus e as coisas eram
relativamente expectáveis. Há um célebre sociólogo e politólogo francês chamado
Raymond Arond que numa só frase caracterizou bem a realidade que se viveu
durante o período da Guerra Fria e a frase é muito célebre e diz: "Paz
impossível, guerra improvável". Ou seja, o sistema internacional era um
sistema em que a oposição entre os dois blocos tornava por natureza impossível
uma situação de paz, quanto muito possibilitava uma situação de co-existência
mas ao mesmo tempo se a paz não era possível a guerra era altamente improvável,
porque tendo em conta a posse maciça de armas nucleares por parte de ambos os
blocos,
em particular da União Soviética e dos Estados
Unidos, o início de um conflito era praticamente impossível porque um conflito
entre as duas super potências significaria necessariamente o extermínio da
Humanidade. E, portanto, vivíamos uma situação paradoxal em que se por um lado
a oposição em todos os planos, ideológico, político, económico, etc. entre os
Estados Unidos e a União Soviética tornavam a paz impossível. Ao mesmo tempo, a
própria circunstância da posse maciça de armas nucleares por parte de ambos os
blocos tornava a guerra altamente improvável.
Com a queda do muro de Berlim, e com as
consequências dessa mesma queda e com todos os elementos que conhecem, nós
passámos a viver uma circunstância diferente. A queda do muro de Berlim
significou o fim de uma guerra, não uma guerra quente como foi a guerra de
14-18 e a guerra de 39-45 mas uma guerra fria. Uma guerra que não chegou a
sê-lo em termos do conflito entre as duas partes mais relevantes, mas em que
tudo o resto era, de facto, um conflito. O final da Guerra Fria significou
objectivamente o triunfo de uma determinada visão do mundo, a dos Estados
Unidos e a dos seus aliados e a derrota de uma outra visão do mundo, da União
Soviética e dos seus aliados. Ora isso significou, se quiserem, uma rendição da
União Soviética e dos países comunistas, na sua esmagadora maioria pelo menos,
àquilo que são os valores da democracia, do liberalismo, do capitalismo, etc.,
e isso tem, como sabem, desenvolvimentos significativos até relativamente
recentes. Nós tínhamos determinadas organizações que simbolizavam a divisão do
mundo, como a NATO ou mesmo a União Europeia e nós vemos hoje aqueles que eram os
arqui-inimigos do que significava o processo de integração europeia ou do que
significava a NATO a pedirem a adesão a essas organizações e a entrarem para
elas. E, portanto, na prática o final da Guerra Fria traduziu uma rendição de
uma das partes e a adesão não obrigada mas voluntária dessa parte às convicções
e aos valores da outra parte. E, portanto, nós desde 1989, 90, 91, (a União
Soviética acabou em 25 de Dezembro de 91), temos uma situação em que, sobretudo
na Europa mas não só, se nota que há uma adesão a princípios e a valores e há
uma comunhão desses princípios e valores que dantes não havia. Temos um sistema
mais democrático, mais livre, em que há um conjunto de valores que são
partilhados, mas ao mesmo tempo, e por paradoxal que isso possa parecer, um
sistema que se tornou mais imprevisível. Há um conhecido especialista em
Relações Internacionais francês, chamado Pierre Hassner que tentou adaptar a
definição do Aron da Guerra Fria às circunstâncias pós Guerra Fria e diz
Azner: "A paz é hoje mais possível mas a guerra também é mais
provável." Se durante o período da Guerra Fria a paz era impossível mas a
guerra também era improvável, hoje em dia a paz é menos impossível, é mais
fácil fazer o entendimento entre Estados e isso é notório no entendimento entre
as principais potências, anteriormente adversárias, os Estados Unidos e a
Rússia mas ao mesmo tempo a guerra tornou-se também mais provável. E tornou-se
não apenas mais provável como mais real, porquê? Porque o sistema da Guerra
Fria funcionava de acordo com uma lógica de áreas de influência, cada país,
cada super potência tinha a sua própria área de influência. SE me permitem a
comparação é um bocadinho o que existe entre os pais e os filhos, quer dizer,
os filhos têm autonomia até onde os pais deixam. O que se passava no contexto
da Guerra Fria era um bocadinho isto, os Estados tinham autonomia até ao limite
que lhes era permitido pelo seu líder. Há certo tipo de desenvolvimentos que
ocorreram depois do final da Guerra Fria e que teriam sido impensáveis no
contexto da Guerra Fria. No contexto da Guerra Fria o Iraque nunca teria
invadido o Koweit, no contexto da Guerra Fria nunca teria havido a guerra da
Jugoslávia, e, portanto, a democratização do sistema internacional gerada pelo
final da Guerra Fria gera ao mesmo tempo um crescendo de autonomia de certos
Estados que vêem nesse crescendo de autonomia uma espécie de "window of
oportunity" para fazer aquilo que nunca puderam fazer. Ou seja, a guerra,
de facto, tornou-se uma realidade mais provável. A guerra da Jugoslávia nunca
teria existido enquanto a Jugoslávia foi como era um país autoritário. O Iraque
nunca teria tido autorização, entre aspas, para invadir o Koweit nos termos em
que o fez, porque tinha a noção clara que a sua margem de autonomia não
permitiria fazê-lo, tal como foi autorizado, entre aspas uma vez mais, a
invadir o Irão porque o Irão representava um perigo, e, portanto, foi-lhe
permitido que o fizesse, nunca poderia ter feito o que fez relativamente ao
Koweit porque tinha a noção clara que isso ultrapassava a sua margem de
autonomia tolerada.
A Europa, reparem que a Europa viveu 40 e tal
anos à beira de um conflito, durante o período da Guerra Fria, mas nunca o
conheceu e foi preciso acabar a circunstância
em que a Europa esteve
sempre à beira do abismo para que finalmente a Europa conhecesse a guerra, com
o que se passou
em particular na Jugoslávia.
Se quiserem fazer uma comparação, nós até
1989 tínhamos uma circunstância em que sabíamos quem é que nos podia atacar e
em que circunstâncias é que isso podia acontecer. Desde 1989, 90, 91 nós temos
uma circunstância em que as coisas já não são previsíveis dessa forma. Eu
costumo sempre dar o exemplo de que um dos aspectos mais simbólicos do final da
Guerra Fria é que até o "James Bond" teve que se reconverter, até ao
final da Guerra Fria o adversário do "James Bond" era sempre a União
Soviética, a partir do final da Guerra Fria até há filmes em que o aliado do
"James Bond" é a União Soviética. E nesse simbolismo cinematográfico,
de facto, traduz-se aquilo que é uma alteração profunda da política
internacional verificada no final dos anos 80 e no início dos anos 90. Mas nós
hoje vivemos circunstâncias ainda mais complicadas e que têm que ver, como
tivemos infelizmente oportunidade de presenciar, com novos tipos de ameaças de
que o exemplo mais acabado tem que ver com uma data na qual amanhã passam 2
anos, o 11 de Setembro. O que se passou no 11 de Setembro de 2001 em Nova
Iorque era impensável no contexto da Guerra Fria, o que significa que o final
da Guerra Fria também permitiu outros tipos de desenvolvimento e a proliferação
de outros tipos de ameaça, que têm hoje um papel cada vez mais relevante no
sistema internacional. Não há dúvida que há uma alteração, por exemplo, da
estratégia norte-americana que tem em grande parte a ver com a leitura que os
Estados Unidos fizeram do 11 de Setembro e das suas consequências para a
segurança nacional norte-americana. A última vez que o território
norte-americano tinha sido atacado foi em 1941 em Pearl Harbour e Pearl Harbour
não é propriamente nos Estados Unidos. Os Estados Unidos não conhecem uma
guerra porque, de facto, aquilo que se passou no 11 de Setembro é um acto de
guerra, embora perpetrado não por um Estado mas por uma organização terrorista,
em que morreram milhares de pessoas e é um acontecimento que os Estados Unidos
não conheciam no seu território há séculos. O que significa também, a meu ver,
um outro aspecto em termos analíticos, é que se até 89 nós tínhamos um inimigo
que sabíamos quem era e identificávamos com clareza, porque tinha existência
física, eu costumo dizer que até 1989 nós sabíamos quem era o ladrão que nos
podia assaltar a casa. A partir do 11 de Setembro, em particular, já houve
preparações anteriores, como é óbvio, mas o 11 de Setembro é um marco simbólico
e o simbolismo aqui é relevante, nós em vez de termos um ladrão detectável
temos uma espécie de um vírus que é sempre muito mais difícil de prevenir,
muito mais difícil de identificar, muito mais difícil de tratar e muito mais
insidioso.
Ora, calculando que isto para um país como os
Estados Unidos é complicado, porque os Estados Unidos são a única super
potência que resta e habituados a gerir uma determinada situação em que têm um
inimigo que identifiquem claramente, que sabem quais são as possibilidades e
que sabem como lidar com ele.
A questão do terrorismo é muito mais difícil
de identificar e é muito mais difícil de resolver, mesmo para uma potência como
os Estados Unidos da América invadir o Afeganistão e derrotar o Afeganistão é
fácil mas já não é fácil descobrir a "AL QUAEDA" destrui-la ou
prender o seu líder.
Ora, nós temos, portanto, uma instabilidade
no sistema internacional que é devida aos próprios acontecimentos que têm
caracterizado esse sistema, a morte de um determinado sistema é a tentativa de
procura do outro. Mas isto tem que ver, também, com um problema a que eu
poderia chamar a falta de modelo de organização, como eu dizia há pouco nós
tivemos até 1989 um sistema de organização da política internacional que era
claro, bipolar, por um lado os Estados Unidos e os seus aliados e do outro lado
a União Soviética e os seus aliados, e, a gestão do sistema internacional
fez-se à volta desta bipolaridade, sabia-se quem é que mandava de ambos os
lados. E, portanto, podia-se saber o que é que cada um ia fazer e com quem é
que se havia de combinar o que havia a decidir. Com a queda do muro de Berlim
no final da Guerra Fria nós estamos ainda à procura, ao fim de 12 anos ou 13,
de um modelo de organização do sistema. A única certeza que nós temos é que o
sistema internacional não é nem vai ser um sistema bipolar, porque há de um
lado uma super potência, os Estados Unidos da América e do outro lado não há
nada, e, portanto, é impossível organizar o sistema internacional à volta do
mesmo princípio que o caracterizou entre 1945 e 1989/90. Agora há duas
possibilidades de evolução: Uma possibilidade de evolução no sentido da
unipolaridade,
em
que os Estados Unidos se afirmam com a capacidade e com a
vontade de ser a única potência que manda e temos a possibilidade de evoluir
para a multipolaridade. Nos últimos 10 anos, já houve manifestações de ambas as
evoluções possíveis. Quando ocorre a primeira guerra no Koweit, a primeira
guerra no Iraque por causa da invasão do Koweit em 90/91 há uma clara aposta no
multilateralismo, o pai Bush, ao contrário do filho, entendeu que a melhor
maneira de conduzir o processo seria através de entendimentos multilaterais
sufragados pelas Nações Unidas, porque tinha uma leitura diferente mas nós,
como dizia o Ortega Y Gasset, somos nós e as nossas circunstâncias. O pai Bush
tinha sido representante dos Estados Unidos junto das Nações Unidas e
valoraria, porventura, o papel das Nações Unidas de uma forma diferente daquilo
que acontece com o filho. Mesmo o filho Bush só aposta numa lógica claramente
unipolar depois do 11 de Setembro, porque no início a administração Bush é
relativamente hesitante sobre o caminho a seguir em matéria de política
externa.
Isto significa, dizia eu, que temos aqui um
outro elemento importante de instabilidade, é que nós olhamos para o sistema
não tem um modo de gestão claro, e, isso leva a isto que nós temos vindo a
assistir, nomeadamente no que diz respeito à questão da relação entre os
Estados Unidos e a Europa.
Este aspecto da relação entre os Estados
Unidos e a Europa é um aspecto fundamental porque a relação transatlântica tem
sido ao longo dos anos o elo fundamental de garantia de estabilidade do sistema
internacional. Se é posta em causa a relação transatlântica, por vontade de
afirmação de poder dos Estados Unidos ou por vontade de autonomização da Europa
face aos Estados Unidos no que diz respeito à sua segurança e defesa, a verdade
é que neste momento está a ser posta em causa aquilo que foi, durante 50 anos,
o elemento essencial de defesa não só da Europa mas de garantia da estabilidade
do sistema internacional e isso acresce a instabilidade do sistema como nós
tivemos ocasião de ver recentemente. E, portanto, há aqui um conjunto de
elementos que têm que ver com todos estes aspectos, que vos referi, que
contribuem para a afirmação deste aspecto que eu acho essencial na
caracterização do sistema internacional actual, que é o problema da
instabilidade.
Segundo aspecto: Segundo a ideia que vos
referi no início, a ideia de interligação. É hábito ouvir-se muito falar num
outro conceito, que é o conceito de interdependência, eu não gosto
particularmente de aplicar o conceito de interdependência até porque a
interdependência tem sobretudo que ver com questões económicas, e, portanto, eu
prefiro a expressão interligação, que no fundo é a tradução da expressão
inglesa "linkged", para traduzir a ideia de que a evolução que nós
temos vindo a assistir nos últimos anos traduz também uma profunda alteração
dos mecanismos de relação entre todos os aspectos da política internacional.
Nós habituámo-nos a ver durante muito tempo, (nós habituámo-nos, mais eu do que
vocês porque apesar de tudo tenho mais uns anitos), habituámo-nos a raciocinar
no período da Guerra Fria numa lógica de alguma estanquicidade, que era
possível tratar de certos assuntos e resolver certos problemas sem que isso
tivesse consequências noutros domínios. Nós hoje temos um mundo que não
funciona com base numa lógica de estanquicidade ou de separação mas, se quiserem
utilizar uma expressão da hidráulica, funciona através de um sistema de vasos
comunicantes. E nós temos que ter a noção que uma determinada decisão, tomada
por um determinado país numa determinada matéria arrasta consequências noutras
áreas do mundo e noutras circunstâncias. E dou-vos vários exemplos para
perceberem o meu raciocínio:
Não é por acaso que o Presidente Bush quando
decide intervir militarmente agora no Iraque começa a fazer o discurso da
resolução da crise do Médio-Oriente e não é por acaso que quando o conflito no
Iraque acaba a administração Bush apresenta um "Foad map" para o
Iraque, porque a administração Bush percebeu que a intervenção militar no
Iraque iria trazer grande impopularidade no contexto dos países Árabes e nos países
islâmicos em particular e que uma maneira de compensar essa circunstância seria
contribuir activamente para a resolução do problema do Médio-Oriente, porque é
evidente, todos o sabemos, que a instabilidade no Médio-Oriente, que
infelizmente se tem vindo a agravar nos últimos dias, é um dos aspectos
essenciais que reconduziu ao ressurgimento do fundamentalismo islâmico ou do
radicalismo islâmico.
Por exemplo, pegando numa das questões que
constava do meu caderno de encargos, o problema da demografia:
As extensões demográficas, enfim que dão
origem ao que nós hoje chamamos as migrações, aos movimentos migratórios, que
são, indiscutivelmente, uma das mais realidades e das mais difíceis de resolver
no contexto da realidade actual, são provocados normalmente porquê? Por
deficientes condições económicas nos países de origem. É verdade que há
refugiados por outras razões mas, normalmente, a grande maioria dos refugiados
tem que ver com o problema da busca de uma existência melhor, dou-vos um
exemplo: As pessoas que fogem de Cuba mais do que fugir de um regime político
com o qual discordam, fogem da miséria
em que vivem. As
pessoas preocupam-se primeiro com resolver os seus problemas pessoais antes de
se preocuparem com as suas convicções políticas, e, portanto, a grande maioria
das migrações tem que ver com o problema da busca de melhores condições de
existência. O que significa que enquanto nós não formos capazes de resolver os
problemas económicos que afectam os países do terceiro mundo, não somos capazes
de pôr fim aos movimentos migratórios. Só que os movimentos migratórios
fazem-se para onde? Sempre para os mesmos países, provocando consequências
relevantíssimas do ponto de vista das tensões sociais, das tensões económicas e
das tensões políticas nos países de acolhimento. E, portanto, como estão a ver
há aqui um conjunto de questões que são relacionadas, instabilidade/atraso
económico nos países do terceiro mundo, movimentos migratórios para os países
ricos, circunstâncias difíceis de gerir do ponto de vista social, económico e
político e tensões no interior das sociedades dos países ricos provocadas por
este tipo de situações.
Por exemplos destes, e poder-vos-ia
multiplicá-los, é que hoje em dia é difícil dizer onde é que começam e onde
acabam as diferentes questões, não é fácil identificar um problema e dizer o
problema não se deve só a isto e resolve-se desta maneira, porque os problemas
estão ligados entre si. Hoje em dia nós, e nos últimos anos temos assistido ao
ressurgimento do radicalismo islâmico, eu prefiro a expressão radicalismo do
que fundamentalismo porque a Arábia Saudita é o mais fundamentalista dos países
Árabes, e, no entanto, é fundamentalista do ponto de vista religioso e isso não
se traduz num comportamento radical do ponto de vista político. Aquilo que o
HAMMAS, por exemplo, significa mais do que o fundamentalismo é o radicalismo
islâmico como meio de acção político.
O radicalismo islâmico explora basicamente o
quê? O sentimento anti-semita, anti-israelita, anti-judaico que, evidentemente,
alarga aos seus aliados, aos Estados Unidos e todos os países que estejam ao
lado de Israel. Mas não é por acaso que o radicalismo islâmico se desenvolve,
sobretudo, nas zonas que são economicamente pobres, quer dizer, nós temos
movimentos radicais islâmicos na Palestina por razões óbvias, nós temos
movimentos radicais islâmicos na Indonésia, no Sudão, no Iraque, mas no Iraque
das sanções. O Iraque até 1990 não era um país fundamentalista, era pelo
contrário um país laico. O Saddam Hussein só começa a falar no Islão como forma
de se justificar pela intervenção no Koweit. Não é por acaso que o Iraque é dos
poucos países onde os cristãos eram tolerados e aceites, justamente porque não
era um país fundamentalista islâmico. Mais exemplos: ------ O Sudão, certas
zonas da Nigéria, Marrocos, a Argélia, a Tunísia, são normalmente países em que
os cidadãos se vêem confrontados com gravíssimos problemas de sobrevivência, e
nós sabemos que os radicalismos encontram sempre um meio de cultura nas
circunstâncias de dificuldade económica, basta irmos, por exemplo, ao que se
passou na Europa durante o tempo do nazismo para perceber que uma das grandes
razões que conduziu Hitler ao poder foi isso, de Mussolini dizia-se que tinha
chegado ao poder porque tinha posto os comboios italianos a funcionar a horas.
E, portanto, normalmente as situações de atraso estrutura, e, do ponto de vista
económico, são meios de cultura para o radicalismo. Ao contrário não há
radicalismo político islâmico na Arábia Saudita, nem nos Emiratos Árabes
Unidos, nem no Qatar. E, portanto, tudo isto para vos dizer que há, de facto,
aqui um conjunto de relações entre todos estes problemas que tornam o sistema
internacional um bocadinho como aquela lógica do cobertor: Tapa-se a cabeça
destapam-se os pés, tapam-se os pés destapa-se a cabeça, porque todas estas
questões têm hoje que ser analisadas duma forma muito mais complexa, é um pouco
como um jogo de xadrez, quais são as consequências no tabuleiro da minha
decisão de mexer numa determinada peça.
E tudo isto depois nos leva a um conceito, à
terceira ideia que vos tinha referido, que é a ideia, enfim, de uma realidade
que nós todos os dias referimos, que é o problema da globalização. Nós estamos
perante um sistema internacional instável, um sistema internacional marcado por
uma profunda ligação entre todos os aspectos que o caracterizam e, portanto,
estamos perante um sistema internacional caracterizado pela ideia da
globalização. A globalização é uma..., a utilização do vocábulo
"globalização" é relativamente recente, mas isso tem que ver um
bocadinho com os entusiasmos de começar a falar em coisas que achamos que são
novas mas não o são, a globalização a que nós estamos a assistir é uma
globalização com um certo tipo de características, uma globalização
extremamente rápida, difícil de gerir mas não é a primeira. Nós já assistimos
noutros momentos da História da Humanidade a processos de globalização. A
primeira globalização deve-se a Portugal, como é óbvio! Os Descobrimentos
Portugueses deram origem à primeira globalização conhecida na História da
Humanidade.
Hoje estamos perante uma globalização com
velocidade e contornos distintos porque recorre a métodos, que são também eles
diferentes. Nós às vezes insistimos ou vemos insistir muito nos aspectos
económicos da globalização e ligamos muito a globalização à livre circulação de
bens, de serviços, de capitais, de dinheiro, da finança, etc., mas a
globalização tem muito mais do que isso. A globalização tem que ver com coisas
que nós não conhecíamos no nosso dia-a-dia há 10 anos atrás mas hoje são parte
essencial da nossa existência. A Internet, por exemplo, é o elemento mais
relevante da globalização no dia-a-dia das pessoas. A globalização não tem que
ver com empresas que têm acções cotadas na bolsa de Hong-Kong e outras cotadas
na bolsa de Lisboa ou a possibilidade que eu tenho de jogar na bolsa 24 horas
por dia por causa da diferença horária. A globalização tem consequências
profundas no nosso dia-a-dia, embora nós muitas vezes não tenhamos a noção
dessas mesmas consequências. A Internet é um caso evidente. Vocês hoje podem,
sobre qualquer tema, sobre o tema que estamos hoje aqui a abordar, clicar um
“www qualquer coisa” e encontrar milhares de informações, às vezes há
informação a mais e o nosso problema hoje é um excesso de informação, selecção
de informação, e não a ausência dela. Pegando numa frase muito utilizada numa
campanha publicitária, eu podia dizer que eu ainda sou do tempo em que nós
íamos tirar umas fotocópias de uns livritos porque havia um livro numa biblioteca
e nós não conseguimos ter acesso a ela. Hoje em dia o problema não é esse, não
é a procura da biblioteca que tem o livro que nós precisamos, é o problema de
saber como é que deitamos fora tudo aquilo que não precisamos, isto é uma
consequência evidente da globalização.
A globalização tem que ver, também, com outro
aspecto a que nós não prestamos importância suficiente: a uniformização da
maneira de ser, de estar, de agir e de pensar. Há um exemplo claro disso: a
McDonald’s.
Em Castelo
de Vide não há McDonald’s, presumo eu. É lamentável! (risos)
… Não puderam satisfazer o vosso desejo de ir ao McDonald’s certamente. Mas,
por exemplo, eu se entro numa loja da McDonald’s em Lisboa ou noutro sítio
qualquer do mundo, as lojas são todas iguais em todos os sítios. Outro exemplo:
os radicais islâmicos. Ainda ontem ouvi um responsável do HAMMAS a falar no
telejornal, qual é o país que eles mais detestam? Os Estados Unidos da América!
E qual é a língua que falam? O inglês! Mas isso também não é nada de extraordinário
porque eu lembro-me sempre que os próprios extra-terrestres, nos filmes, falam
sempre inglês, o que significa que não estamos, de facto, sós no mundo, como
diz o tema da nossa conferência de hoje.
E, nós hoje temos, em função destas alterações
todas um conjunto de circunstâncias que são novas e que são difíceis de gerir.
Quando eu tinha menos do que a vossa idade não havia um produto espanhol nas
prateleiras dos supermercados. Quando eu tinha a vossa idade, e eu não nasci
propriamente em 1940, não havia coca-cola em Portugal, as pessoas que vieram de
Moçambique eram conhecidas como as coca-cola porque em Moçambique havia
coca-cola e em Portugal não, em Portugal Continental não havia. Nós íamos a
Badajoz comprar caramelos e demorava-se não sei quantas horas a passar a
fronteira para ir a Badajoz comprar caramelos. E se é certo que alguns destes
aspectos têm que ver com uma questão específica a integração europeia, outros
estão relacionadas com todo este processo de globalização, que faz com que, por
exemplo, o poder mais importante que os Estados Unidos têm, nem sequer seja o
poder militar ou o poder político. Do ponto de vista político ou politológico
nós podemos dividir o poder de acordo com as formas como é exercido, em duas
categorias: “Hard Power” e “Soft Power”. Os norte-americanos têm,
evidentemente, muito “Hard Power”, basta olhar para o que gastam em despesas
militares e para o que fazem do ponto de vista militar. São de facto o país que
tem mais Hard Power” no mundo. Agora, os norte-americanos têm mais poder no
mundo pelo “Soft Power” do que pelo “Hard Power”, porque nós hoje consumimos,
pensamos, e falamos aquilo que os americanos determinam. Quer dizer, as calças
de ganga são americanas. Quando normalmente se fala em ir estudar para uma
universidade estrangeira, a primeira coisa que vem à ideia é ir estudar para
uma universidade norte-americana. A esmagadora maioria dos prémios Nobel do
mundo estão nas universidades americanas, não estão nas universidades
europeias. E, portanto, nós hoje vivemos num mundo que é, de facto, criado à
imagem e semelhança dos Estados Unidos da América e nós gostamos, o que é
extraordinário, porque mesmo quando do ponto de vista político se verifica
aquilo que o Jean Paul Revel chama a obsessão anti-americana, a verdade é que
essa obsessão anti-americana se conjuga com a influência diária da cultura
norte-americana. Isto deve-se a quê? À globalização. Nós hoje vamos à União
Soviética, à Rússia e veremos provavelmente no centro de Moscovo uma loja da
Kentucky Fried Chicken, não sei se será o caso mas deve haver certamente. Isto
há 10 anos era impensável, e, portanto, isto não pode deixar de ter
consequências, não apenas para os Estados mas também para a vida de cada um de
nós.
Nós estamos a viver uma circunstância muito curiosa,
certamente a partir de hoje teremos mais uma vez provas disso, porque começa em
Cancun a reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da OMC, portanto deve
haver mais umas manifestações folclóricas anti-globalização à porta da sala
onde estiver a decorrer a reunião. Há muita gente que olha para a globalização
como provavelmente o Velho do Restelo olhava para as caravelas que partiam para
a Índia, com uma diferença é que as caravelas que iam para a Índia ainda podiam
voltar para trás e a globalização não pode. Faz-me alguma confusão a discussão
sobre se a globalização é boa ou má. Não é boa nem má: é! E não há nada a fazer
contra ela. Lutar contra a globalização é a mesma coisa que o Dom Quixote de
la Mancha a lutar contra os
moinhos, quer dizer, não vale a pena, até porque nós gostamos da globalização,
ela facilita-nos a vida, nós hoje temos a possibilidade de fazer um conjunto de
coisas que não o faríamos se a globalização não tivesse ocorrido, portanto nós
gostamos dela. Pelo menos enquanto consumidores.
Agora, como tudo na vida a globalização tem
aspectos positivos e aspectos negativos. Não tantos como a vulgata
anti-globalização normalmente quer fazer, crer mas tem realmente alguns
aspectos negativos, nomeadamente face aos excessos que pode gerar se não for
devidamente pilotada. Não é tão claro dizer-se, como muitas vezes se ouve
dizer, que a globalização agrava o fosso que separa os países ricos dos países
pobres, isso não é inteiramente verdade. A globalização agrava sobretudo o
fosso entre aqueles que querem jogar o jogo da globalização e os que não
querem, porque a verdade é que nós temos países relativamente atrasados que
aceitaram jogar o jogo dos mercados abertos e da globalização e saíram-se bem.
Basta olhar, aliás, para alguns países asiáticos, por exemplo, que partiram
duma posição muito deficiente e são hoje países prósperos do ponto de vista
económico. Agora, é óbvio que a existência de uma globalização desregulada tem
consequências negativas e, sobretudo, e isso é que é preocupante, pode ter
consequências graves ao nível, económico e político. E, portanto, o grande
desafio hoje não é o desafio de voltar atrás no tempo porque isso não é
possível, mas sim o de encontrar mecanismos de regulação política e económica
para essa mesma globalização.
Deixem-me que vos dê um exemplo do que é um erro
na forma de encarar as consequências da globalização. Lembram-se que há um ano
e pouco houve uma grande celeuma em Portugal porque a “Clark”, uma empresa
perfeitamente sólida, decidiu sair algures do Norte para ir para a República
Checa. Não por necessidades de natureza financeira, não porque precisasse mas
porque indo para um país da Europa Central ou do Leste dava ainda mais lucro.
Isto tem alguma coisa de mal? Não. Se houve, porventura desrespeito, se foram
dados subsídios para fazer alguma coisa dentro de um determinado prazo e se
isso foi desrespeitado, se as condições contratuais tivessem sido
desrespeitadas evidentemente haveria incorrecção na deslocalização. Agora, há
uma empresa que cumpriu determinadas regras do jogo, está num determinado país,
em certo momento verifica que ganharia com a mudança geográfica, é livre de
mudar. Dirão uns que não pode ir porque não há empregos! Mas um empresário não
existe para fazer política social, para fazer política social existem os
governos. Um empresário desde que cumpra religiosamente as suas obrigações, se
num determinado momento entende que a deslocalização da sua indústria lhe
permitirá retirar lucros adicionais noutro sítio, vai. Isto é possível, hoje em
dia, justamente por causa da globalização, porque a globalização transformou o
mercado numa realidade aberta à escala planetária. Hoje em dia não são os
Estados que dizem às empresas se podem vir ou não, são as empresas que escolhem
os Estados. Nós temos essa noção hoje em Portugal, essa batalha nós temo-la por
causa do alargamento e este governo tomou medidas justamente para tentar
convencer as empresas que este sítio chamado Portugal é melhor que um sítio
chamado República Checa, Polónia ou Eslováquia para investir. Mas nós temos que
ter a noção que as regras do jogo estão inteiramente invertidas. Dantes os
Estados tinham inúmeros pedidos de investimento estrangeiro e seleccionava-os
de acordo com o seu interesse e davam-se ao luxo de dizer não a uma empresa.
Hoje em dia quem está no mercado são os Estados não são as empresas, os Estados
é que têm que ir ao mercado convencer as empresas para virem para o seu próprio
território. Ainda a propósito da Clark houve, suponho, o líder de um pequeno
partido da oposição chamado Bloco de Esquerda, que dizia: “Não senhor, o que o
Governo Português tem que fazer é dizer que se a Clark se for embora a gente
nacionaliza a empresa e prende o administrador”. Eu não consigo perceber como é
que um político, ainda por cima alguém que é doutorado em Economia, diz uma
coisa destas. Porque no dia
em que o Governo
Português nacionalizasse ou interviesse de qualquer forma
numa empresa privada, não só não vinha mais nenhum investimento estrangeiro
para Portugal como o que cá estava ia se embora, isto é a incapacidade típica
de entender como é que a globalização se joga. A globalização joga-se como nós
jogamos, por exemplo, na procura de um emprego. Na procura de um emprego tenho
que demonstrar a quem me quer empregar que eu sou melhor que o outro. A
globalização joga-se assim, o Estado tem que demonstrar a quem quer investir
que tem todas as condições económicas, políticas, sociais, de estabilidade,
etc. adequadas para que o investimento possa ter lugar aí. A globalização não
se resolve por exercícios bacocos de soberania, nós temos que perceber que a
globalização dilui a soberania do Estado e isso tem consequências negativas. O
Estado não tem controlo como tinha anteriormente, as redes transnacionais de
criminalidade estão hoje muito mais à vontade do que estavam, é muito mais
difícil combatê-las, os movimentos financeiros de lavagem de dinheiros são
muito mais fáceis de fazer e muito mais difíceis de controlar do que eram
dantes. Hoje a soberania do Estado dilui-se um pouco como, para vos dar uma
imagem, a areia nos cai das mãos quando estamos na praia e hoje nós temos que
perceber que isto é assim e que não vale a pena ensaiar, como eu dizia,
exercícios bacocos de autoridade soberana, que não têm consequência nenhuma, a
não ser eventualmente consequências negativas.
Agora, nós temos que ter mecanismos de regulação?
Temos. E esses mecanismos de regulação têm que existir no plano político? Têm.
E tem existir no plano económico? Têm. Mas são complicados de se fazer, temos
essa experiência da existência de Portugal enquanto país, os mecanismos de
regulação são mais difíceis de exercer do que os mecanismos de controlo. É
muito mais fácil eu ter o poder de controlar ou de dizer soberanamente o que é
que se pode e não pode fazer do que eu intervir na actividade económica de
forma a regular o comportamento dos diferentes agentes. E aqui, digamos, eu
fecho o círculo e volto ao meu raciocínio inicial, é disto que andamos à
procura e é isto que não encontramos: Como é que se regula o sistema?
As Nações Unidas eram uma maneira de regular o
sistema? Provavelmente eram. E tentaram regulá-lo em 1990/91 na primeira guerra
do Koweit mas foram deixadas inteiramente à margem pelos Estados Unidos da
América este ano com a invasão do Iraque.
À pouco referia-me à questão da reunião em Cancun,
da conferência ministerial da OMC. Nós estamos a assistir também a uma
tentativa no âmbito da OMC de regular aspectos essenciais da actividade
económica internacional que tem directamente que ver com Portugal. Por exemplo,
a questão da liberalização dos têxteis que vem aí, mas a liberalização dos
têxteis tem outras implicações porque liberalizar implica que a concorrência
seja leal. Se os países com quem nós vamos concorrer não cumprem standards
mínimos em matéria de protecção social, em matéria dos direitos dos
trabalhadores, etc., torna-se complicado concorrer. E, portanto, há aqui um
conjunto de aspectos que se nós queremos, de facto, que a globalização funcione
e não tenha um efeito inverso, têm que ser devidamente equacionados e
devidamente regulados. É essa regulação política e económica noutras áreas que
nós estamos à procura mas não é fácil de encontrar e isto gera a tal
instabilidade, como referi no início.
Um último raciocínio para me conter dentro do
tempo que me foi dado, e Portugal no meio disto tudo? Para equacionarmos
Portugal no meio disto tudo temos que partir de uma constatação óbvia. Portugal
não foi durante muitos séculos aquilo que é hoje, nós fomos durante muitos
séculos um país que tinha, se quiserem, um lado e o lado era sempre para fora.
Portugal manteve-se sempre ao longo da sua História fora dos conflitos na
Europa, Portugal virou sempre as suas costas à Europa e encontrou sempre na
relação com o mar e com o que estava para lá dele o elemento essencial da sua
afirmação enquanto Estado, o que é compreensível porque nós temos uma situação
complicada só temos um vizinho, e, portanto, encontrar outros parceiros temos
sempre que passar por casa do vizinho, o que é incómodo até para o vizinho. Nós
temos uma espécie de servidão de passagem por Espanha. Com o fim do ciclo
imperial Portugal teve que deixar de ser aquilo que sempre foi, a questão
europeia não é uma opção, às vezes falava-se muito, hoje já menos, na opção
europeia. A questão europeia não é uma opção: se nós não tivéssemos na Europa
estariamos onde? Orgulhosamente sós, como diria o Doutor Salazar? Enfim, não
nenhum sentido.
O que é importante notar é que com o fim do ciclo
imperial Portugal não voltou as costas ao seu passado: acrescentou qualquer
coisa ao seu futuro! Ou seja, passou de um Estado que só tinha um lado a um
Estado que tem dois. E é importante que nós compreendamos, e há muita gente que
não percebe isto em Portugal (e isso ficou demonstrado com a gestão da crise da
iraquiana), que nós somos europeus por convicção e por inelutabilidade. Havia
um célebre político alemão do século passado que dizia: “Em política externa
muda-se tudo menos uma coisa a geografia”. O problema de sermos europeus não
depende de nós, dependerá, eventualmente, do Saramago e da Jangada de Pedra,
mas do ponto de vista político não depende de nós. Ou seja, somos europeus
ponto final parágrafo. Agora temos que perceber que sendo europeus não podemos
deixar de ser atlânticos e é isto que muita gente não percebeu quando o Governo
Português tomou as atitudes que tomou a propósito da crise iraquiana.
Do ponto de vista estratégico isto significa que,
já que estamos em matéria de alegorias, Portugal em matéria de política externa
está como naquela célebre música do Marco Paulo: tem dois amores! Tem uma
Europa e uma relação transatlântica. Na Europa porque nós somos europeus e se
queremos ser europeus de corpo inteiro temos que perceber que não podemos ser
mais um co a nossa perificidade e num contexto de uma Europa a 25 se formos
apenas mais um, ninguém se lembra de nós e no momento das decisões ninguém terá
em conta os nossos interesses. Mas ao mesmo tempo nós temos que perceber que
não nos interessa que a Europa seja exclusivamente europeia: interessa-nos que
se perceba que a Europa deve ter também uma vertente virada para o Atlântico,
virada para a manutenção da aliança estratégica e do elo estratégico
transatlântico com os Estados Unidos da América. Não é em circunstância alguma
do interesse de Portugal, por exemplo, que a defesa europeia se faça contra os
Estados Unidos da América como pretendem muitos, embora não o digam, quando
falam no ressuscitar do eixo Paris/Bona ou hoje em dia Paris/Berlim.
Um país como Portugal não tem nenhum interesse
porque ficaria necessariamente submergido na voragem das grandes potências
europeias, não tem nenhum interesse que a segurança e a defesa da Europa se
façam só na Europa. A Europa tem que perceber de uma vez por todas, que a
Europa da segurança e da defesa não se pode construir contra ninguém, não se
pode construir por diferenciação, tem que se construir com alguém e tem que se
construir em complementaridade. Aquela célebre carta dos 8, por exemplo, é a
evidência deste facto. Quando alguns países, como é o caso de Portugal, da
Espanha, da República Checa por exemplo, assinam aquela carta dos 8, querem com
isso significar que sendo europeus de corpo inteiro não estão dispostos a ser
subjugados na voragem da integração europeia e que querem que a ligação com os
Estados Unidos complemente, do seu ponto de vista estratégico, a inserção que
têm no plano da União Europeia.
Para terminar, diria que Portugal interessam- duas
coisas: que política e economicamente nós estejamos na Europa mas que
militarmente e no plano da segurança nós estejamos no Atlântico. E isto é
importante hoje em dia porque nós estamos a construir uma nova Europa. Estamos
em vias, ao que parece, de fazer um tratado constitucional para a União
Europeia e é fundamental que quer no Tratado quer nos desenvolvimentos que se
sigam a esse Tratado esta ideia nunca seja afastada: a Europa não pode ser um
peso, tem que ser um agente interveniente: Um ”global player” nas relações
internacionais, e, também nas questões de segurança e defesa mas que isso não
se pode fazer pondo em causa aquilo que foi, é e deve continuar a ser um
elemento central da estabilidade na Europa e no mundo: a preservação da relação
com os Estados Unidos da América e com o Canadá.
Acho que cumpri. (PALMAS)
Carlos Coelho
Muito obrigado Dr. José Correia.
Vamos entrar na fase das perguntas. Primeiro,
bloco dos grupos, ontem à noite houve uma reunião com todos os grupos e os
nossos avaliadores, que definiu uma regra rotativa de apresentação de
perguntas, e, portanto, vamos começar com o grupo roxo.
Bruno
Macedo (Grupo Roxo)
Muito bom dia a todos. Queria em primeiro lugar
dizer que gostei muito da intervenção do Dr. José Correia e o grupo roxo queria
que respondesse a duas questões e fizesse um pequeno comentário a outra
citação.
Nós gostaríamos de saber o que pensa da ideia
defendida por alguns autores segundo os quais saber quem somos temos
forçosamente de saber contra quem estamos ou contra quem somos. E depois
gostaríamos que respondesse a duas questões:
O que poderá acontecer à civilização ocidental, e
aqui incluímos a Europa e obviamente os Estados Unidos, no dia em que perder a
hegemonia militar, cultural, económica e tecnológica?
Depois, por último, se acha que os europeus estão
à espera que haja ou que aconteça outro 11 de Setembro, neste caso no seio ou
no seu coração, em Berlim ou em Paris, para perceberem a ameaça que paira no
ar.
Era só isto, obrigado.
José Matos
Correia
O que é que eu lhe posso dizer relativamente a
cada uma destas três questões?
O primeiro aspecto, o saber quem somos implica o
saber contra quem estamos. Não me parece, que o saber contra quem estamos
implica saber com quem estamos. Isso é não saber quem somos. Saber quem somos,
Nós sabemos. nós não nos identificamos por diferenciação face a terceiros:
temos a nossa própria cultura, temos os nossos próprios valores e princípios e
esses são coerentes com a nossa História e com a nossa Civilização. E,
portanto, nós para sabermos quem somos não precisamos de saber contra quem
estamos. Agora é importante saber contra quem estamos para saber como devemos
estar e esse é o aspecto essencial ou um dos aspectos essenciais da situação
actual. Tem um pouco que ver com aquilo que referi há pouco a propósito da
busca de novas soluções para os novos perigos. Até 1989 sabíamos com clareza
que, a União Soviética estava ali, os seus países satélites estavam ali e os
seus aliados estavam ali. Nós sabíamos ao milímetro quantas ogivas nucleares
tinham, onde as tinham, como funcionavam, etc., quem mandava. Hoje em dia nós
vimos substituído um perigo que era um perigo claro, grave mas claro, por uma
circunstância em que temos armas de destruição maciça não se sabe aonde, em que
temos o terrorismo que conseguimos identificar nos seus aspectos essenciais mas
que não conseguimos combater, ou pelo menos não conseguimos destruir.
Provavelmente não haverá país no mundo mais competente nestas questões do que
Israel, até pela sua própria História. Não haverá, serviços secretos mais
competentes no mundo do que a Mossad. Poucos exércitos do mundo, se é que há
algum, terão tanta competência militar como o de Israel, porque está em guerra
há 50 anos. E, no entanto, Israel não consegue pôr fim aos atentados
terroristas como, infelizmente, ainda ontem se viu por duas vezes. Agora, nós
temos é que ter a noção clara de contra quem estamos para saber como é que
devemos estar e essa noção não existe. Porque aquilo que se passou
relativamente à invasão do Iraque, por exemplo, tem muito que ver com o contra
quem estamos. Os textos que nos deixei são extremamente interessantes do ponto
de vista da reflexão sob este aspecto central do sistema internacional. Qual é
que é o problema da mudança, (se existe ou não), uma mudança da estratégia
norte-americana e nessa mudança de estratégia é importante, é decisivo o problema
da relação com a Europa. Embora, permitam-me um aparte, nós tenhamos com os
Estados Unidos uma relação muito curiosa, que é uma relação possessiva, há uma
certa Europa que passa a vida a dizer mal dos Estados Unidos, mas depois
queremos os Estados Unidos só para nós. Mas esquecemo-nos que os Estados Unidos
têm duas faces, porque também têm uma face para o outro lado. E para os Estados
Unidos a relação com os países da Ásia/Pacífico é determinante para a sua
própria segurança e nós às vezes esquecemo-nos que os americanos não são só
atlânticos e que nós não somos os únicos parceiros que eles têm, têm outros,
que são tão importantes como nós ou podem ser ou são, pelo menos, para algumas
administrações e para alguns teóricos norte-americanos.
Mas, o problema “contra quem estamos” é o problema
essencial, porque nós vimos isso a propósito do Iraque, e a certa altura os
Estados Unidos disseram o seguinte:
Nós agora sabemos quais são os inimigos e sabemos
o que é que temos que fazer, os inimigos são o terrorismo e os Estados que
alimentam; o célebre eixo do mal. E, disseram: A partir daqui nós identificados
os inimigos vamos enveredar não por uma estratégia de dissuasão, que é a
estratégia tradicional mas por uma estratégia de prevenção. E, portanto, vamos
lá e acabamos, digamos, com os nossos inimigos. E eles foram ao Afeganistão. O
mundo vivia na altura o choque do pós 11 de Setembro e ninguém levantou
problemas. Depois Bush disse: E agora vamos ao Iraque! Nessa altura a Europa
disse: Alto lá! O que a Europa, no fundo, quis dizer é que nós se calhar nem
estamos assim tanto contra o Saddam. Sabemos que o Saddam é mau, tem lá uma
ditadura mas, enfim, não há provas evidentes que tenha armas de destruição
maciça, não há provas evidentes que alimente redes terroristas, e, portanto, se
calhar não temos razões para lá ir. A Europa não foi capaz de dizer: estamos
contra aquele! Pelo contrário, os Estados Unidos disseram claramente: estamos
contra aquele e vamos acabar com ele. Ou melhor, com o regime, porque eles são
melhores a acabar com regimes do que propriamente a caçar os responsáveis.
E, dizia eu, nós não sabemos às vezes com clareza
contra quem estamos ou pelo menos não tiramos todas as consequências desse
facto e por isso não sabemos como é que nos devemos posicionar. Agora, sabemos
quem somos, isso julgo que é indiscutível.
Segundo aspecto: Civilização Europeia e perda de
hegemonia. Bruno deixe-me dar-lhe uma novidade, que é a seguinte:
Os Estados Unidos são hoje a potência hegemónica
do mundo mas um dia deixarão de ser. Não há nenhuma potência que se consiga
perpetuar para toda a História da Humanidade como uma potência liderante do
sistema, portanto, um dia os Estados Unidos hão-de acabar como super-potência,
aliás há um livro muito conhecido, chamado “The rise all of the great powers “
do Paul Kennedy, em que o autor analisa o problema da ascensão e da queda das
grandes potências e até prevê a queda da potência norte-americana. Enganou-se
um pedacito porque o livro é de 88 e ele podia tê-lo escrito noutra altura,
porque nem de propósito escreveu um livro na altura em que os norte-americanos
em vez de caírem como potência se afirmaram progressivamente como potência
liderante mas, enfim, acontece aos melhores.
Nos períodos de turbulência, mesmo mais
inteligentes têm, por vezes, dificuldade, porque nós não podemos antecipar o
futuro, não temos bolas de cristal, e, portanto, podemos pedir a uma dessas
senhoras que com frequência aparece nos programas televisivos, sobretudo da
manhã, que antecipe a evolução do sistema internacional mas, enfim, para
politólogo é difícil, para astrólogo, eventualmente, será mais fácil.
É evidente que um dia o sistema internacional não
será o que é hoje. Na década de 60 um célebre sociólogo francês chamado Roger
Perfit escreveu um livro chamado “Quand
la Chine se vierat”, o resto não fazia parte do
título mas era: “Quand
la Chine
se vierat le monde tremblerá”, e é verdade, quando a China um dia despertar, a
China tem todas as condições para ser a maior potência do mundo. Eu costumo
sempre dar este exemplo aos meus alunos, que é um exemplo macabro mas
significativo: Se houvesse uma guerra entre os Estados Unidos da América e a
China e nessa guerra morressem todos os americanos e quatro vezes o número de
chineses relativamente ao número de americanos, ficariam no final da guerra
zero americanos e tantos chineses quanto os americanos que havia no início da
guerra. Quer dizer, a China tem um bilião, duzentos e cinquenta milhões de
pessoas, os Estados Unidos têm à volta de 250 milhões. E, portanto, a China tem
todas as condições para ser uma super-potência liderante do sistema
internacional no futuro e nós até estamos a ajudar, porque como a China é um
mercado apetecível, os Estados Europeus estão a criar condições para que as
empresas europeias e americanas, como é óbvio, invistam na China. Eu não posso
dizer se daqui a 100 anos o sistema não será um sistema bipolar, em que dum
lado, por exemplo, estão os Estados Unidos da América eventualmente em
decadência e do outro lado a China resplandecente de poder, não posso. O que eu
evidentemente posso dizer é que daqui a 100, 200 ou 300 anos o sistema
internacional não será como é hoje e, se calhar, as alterações dar-se-ão mais
rapidamente do que nós prevemos, porque em 1973 ou 1974 ninguém seria capaz de
prever o que aconteceu em 89, ninguém seria capaz de prever que um Gorbatchev
chegaria ao poder para fazer aquilo que fez.
Mas a pergunta que o Bruno me fez leva-me a um
outro aspecto que eu não tive ocasião de abordar, para respeitar os 45 minutos
que me deram, que é importante do ponto de vista analítico: o problema das
civilizações e da coexistência ou da conflitualidade civilizacional. Como
sabem, os conflitos tradicionais que se deram no sistema internacional foram conflitos pelo poder, normais, por
supremacia de uma determinada potência. O conflito entre os Estados Unidos e a
União Soviética, a Guerra Fria é um conflito ideológico, há duas visões
distintas do mundo que se opõem e que tentam conquistar para cada uma a maior
área de influência possível. Há quem profetize sobre o tema. Como sabem há um
livro muito célebre chamado “The clash of civilizations and the remaking of the
world order”, o choque das civilizações e o refazer da ordem mundial, de Samuel
Huntington, que é um dos mais brilhantes especialistas em Relações
Internacionais norte-americano, que justamente antecipa o século XXI como o
século do choque civilizacional. E há quem esteja preocupado justamente devido
ao que se tem passado e na progressiva oposição do mundo árabe ao mundo ocidental.
Foi muito importante, por exemplo, que a seguir ao 11 de Setembro os Estados
Unidos da América tenham percebido esse risco e tenham tentado construir uma
coligação contra o terrorismo que abrangia países das mais diversas áreas de
influência, das mais diversas áreas do ponto de vista civilizacional. É
perfeitamente possível que num conflito civilizacional haja um crescendo de
outras civilizações e isso provoque uma erosão na Civilização Ocidental,. Não
esquecer que a liderança da Civilização Ocidental são os Estados Unidos da
América. Aliás, o livro do Huntintang não é tanto um livro preocupado com o
problema do declínio da Civilização Ocidental, é um livro que prevê esse
declínio e que indica aos Estados Unidos qual é a melhor forma de evitar esse declínio.
É evidente que desta conflitualidade civilizacional, que é um risco que
corremos, eu não tenho a visão determinística do Huntintang, achando que tem
mesmo que ser assim, mas é evidente que corremos e se esse risco existir é
evidente que esse risco pode concorrer para um decréscimo da Civilização
Ocidental e para uma perda significativa de hegemonia ocidental e dos Estados
Unidos da América.
Terceiro aspecto, o comentário que o Bruno me
pediu sobre se a Europa precisa de um 11 de Setembro. Se um 11 de Setembro na
Europa a Europa perceberia mais rapidamente a ameaça. Bom, eu vou-vos dar um
exemplo que há bocado comentava aqui com o
Carlos Coelho, faz hoje
uma semana, no âmbito de uma iniciativa levada a cabo pela Comissão Política do
PSD, participei num colóquio em Leiria, não sei se há aqui alguém do Distrito
de Leiria ou mesmo de Leiria, participei num colóquio sobre Política Europeia
de Segurança e Defesa, onde estavam, (não é o meu caso), iminentes
especialistas nesta matéria, como o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o
embaixador José Cutileiro. Lá dissemos o que tínhamos a dizer sobre esta
matéria e depois discutimos, fazendo o nosso melhor para explicar porque é que
tinha que haver uma Política de Segurança e Defesa, porque é que uma defesa europeia
comum era fundamental para a estabilidade na Europa, para contribuir para a paz
no mundo, etc.. Essas coisas que se dizem em circunstâncias desse teor. E
depois lá estivemos todos contentes à espera duma pergunta e perguntas sobre
Política Europeia de Segurança e Defesa mas nem uma, é que nem uma!
Harmonização fiscal, concorrência económica, tudo e mais alguma coisa: Política
Europeia de Segurança e Defesa népias. E eu estava a pensar com os meus botões
que na conclusão de tudo aquilo, que a defesa é como a saúde, nós só lhe
sentimos a falta quando não a temos. E, portanto, falar de defesa nestas
circunstâncias de paz é sempre: “mas porque é que vamos gastar dinheiro em
orçamentos e em canhões?” Eu, evidentemente, não vou ao ponto de dizer que se a
Europa tivesse um 11 de Setembro perceberia a natureza da ameaça, mas esse seu
raciocínio, Bruno, não deixa de ser um pouco real, porque aí estaríamos perante
a tal falta de saúde que nos faz logo ir a correr para o médico. O único ponto
é que se nós estivéssemos numa situação dessas devíamos estar devidamente
adaptados a lidar com ela e não estamos. Eu percebo que do ponto de vista até
eleitoral, falemos com franqueza, é muito mais prático gastar dinheiro a
aumentar salários ou é muito mais fácil construir infra-estruturas ou hospitais
do que gastar dinheiro a comprar canhões. Agora, infelizmente há sempre um
momento na História da Humanidade em que as pessoas se arrependem de não terem
comprado os canhões na altura devida, porque se a Europa tem comprado os canhões
na altura em que devia em vez de ter cedido ao nazismo alemão, o nazismo alemão
nunca teria feito o que fez. E nós temos exemplos significativos disso. Quando
em
1979 a
União Soviética colocou os mísseis de alcance intermédio na Europa de Leste, e a
Europa Ocidental foi capaz de responder, isso foi imprescindível do ponto de
vista da segurança. No entanto, vocês não se lembram desses períodos, mas
aquilo que se passou na Europa em 1979/80 foi tão grave, quase, como o que se
passou recentemente a propósito do conflito do Iraque. As manifestações de
massas que ocorreram na Alemanha em particular, onde o movimento pacifista já
era muito forte, na Bélgica, na Inglaterra, etc. foram extremamente
significativas, a dizer: não queremos cá os mísseis porque os mísseis são uma
forma de aumentar o período de conflito. Mas foi exactamente o contrário. A não
cedência perante a União Soviética foi a melhor maneira de demonstrar que era
possível garantir uma posição de firmeza na segurança europeia. E a Europa não
percebeu isso. Não há dúvida que aqui há uma divergência significativa entre os
europeus, e aqui não me refiro apenas aos decisores políticos, refiro-me aos
cidadãos europeus e norte-americanos. Os norte-americanos valoram o aspecto da
sua segurança, não fecham os olhos ao investimento na sua própria segurança,
não se importam. O Presidente Bush anunciou anteontem que ia pedir 87 mil
milhões de dólares adicionais por causa da guerra no Iraque. 87 mil milhões de
dólares é uma enormidade de dinheiro! Nós andamos todos contentes em Portugal
há não sei quantos anos a decidir se vamos ter submarinos? E se tivermos
submarinos, temos em 1.ª mão ou em 2.ª? E alguém que viesse de Marte deveria
pensar: estes tipos devem estar a pensar comprar uma flotilha para aí de 100
submarinos, alguns dos quais, quiçá, nucleares. Mas, não, a discussão é saber
se temos 3 ou 2. Isto é ridículo! O país anda há vários anos, a discutir se ia
ter 3 submarinos ou nenhum. E chegámos a uma situação tão ridícula que o
Governo anterior demorou tanto tempo a decidir uma coisa destas que nós agora
corremos o risco de haver a altura de não termos nem os novos nem os velhos,
temos os nossos especialistas em submarinos em casa, presumo eu, ou então em
jogos de realidade virtual para não se esquecerem como é o interior de um
submarino. Lembro-me de um artigo que vinha na Visão da semana passada, que
perguntava se o Primeiro-Ministro devia ou não ter anunciado que íamos comprar
300 viaturas de rodas para substituir as chaimites. As chaimites deviam estar
num museu, não era na Bósnia. Este raciocínio que fazemos em Portugal é um
raciocínio que de medida diferente se faz nos outros países europeus. Todos os
países europeus têm diminuído o seu investimento em matéria de defesa e aqui
aplica-se o princípio de que sem ovos não há omoletes, ou seja, não se pode
garantir a segurança se não houver meios e o problema é que os países europeus
têm esta relação estranha com os Estados Unidos. Numa altura de relativa
estabilidade ou em que a instabilidade não nos afecta muito fazem a voz grossa,
dizem: “Bom agora vamos ver se a gente apoia ou não”, mas quando há guerra
correm a dizer aos Estados Unidos “venham lá ajudar”. A França fez a figura que
fez na 2.ª Guerra Mundial e teve que ser libertada pelos Estados Unidos, não
foi libertada pelos seus lindos olhos ou pelas suas capacidades.
E, portanto, talvez se a Europa sentisse um
bocadinho mais de perto o risco do conflito, percebe-se que não é “depois de
porta arrombada, trancas à porta”.
Nós temos um Grupo de Trabalho rosa?
(RISOS/PALMAS)
Carina
Gomes (Grupo Rosa)
Bom dia. E não é fácil defendê-lo! (Risos)
Nós gostaríamos de saber e tendo em consideração
os interesses de Portugal e o apoio político e prático dado aos nossos aliados
transatlânticos no combate contra o terrorismo na intervenção no Iraque, quais
foram as contrapartidas imediatas de cariz técnico, financeiro e político
obtidas pelo Governo Português nesta intervenção. Obrigada.
PALMAS
José Matos
Correia
Eu estou aqui a pensar com os meus botões se
hei-de responder a sério ou a brincar. Bom a brincar podia dizer que isto é uma
pergunta que só podia vir de um grupo rosa… (RISOS/PALMAS) … a sério, deixe-me
responder-lhe com toda a franqueza como eu gosto de falar, eu acho que o seu
raciocínio é um raciocínio compreensível, pois é um raciocínio colectivo, mas
errado. Eu se tenho que emprestar dinheiro aos meus amigos não lhe cobro juros,
se emprestasse um carro não ia cobrar uma diária pelo carro. Eu acho que a
questão das contrapartidas dos nossos parceiros face ao apoio que lhes demos e
estamos a dar na luta contra o terrorismo é uma questão que se pode
legitimamente pôr mas não fazendo link entre o apoio e as contrapartidas. E
aqui, eu quero-vos dizer com toda a franqueza e pode ser uma atitude um pouco
desenquadrada mas ou bem que nós fazemos política com recurso a princípios e a
valores ou então não vale a pena fazer política, porque se fazemos política por
razões, (não quero ser ofensivo e, não me entendam nessa perspectiva), se
fazemos política por razões de mercearia não vale a pena. A verdade é que
auxiliamos os nossos aliados, porque achámos que esse era o lado certo e ao
ajudar os nossos aliados na luta contra o terrorismo estavamos a defender os
nossos valores.
Nós não estamos na mesma condição da Turquia, que
também queria dinheiro em troca para permitir facilidades na guerra contra o
Iraque. Ou bem que nós comungamos com os Estados Unidos determinados princípios
e valores ou não comungamos. Ou nós temos uma posição similar à da França e Alemanha
e dizemos: “estamos do outro lado, paciência! não contem connosco para isso”.
Ou bem que nós achamos que a linha certa é esta, que os Estados Unidos,
independentemente de não concordarmos com alguns aspectos, que os
norte-americanos são determinantes na garantia da paz e estabilidade
internacional e que nós no momento em que os nossos aliados precisam de nós
estamos com eles. Se é assim tudo bem e não temos que ter nenhuma outra
consequênciaPortugal é um país que é periférico em tudo, até muitas vezes nos
políticos que tem. E nós agora estamos a ter a discussão em Portugal quando os
outros começaram muito mais cedo tentativas de discussão, que é o problema que
foi noutro dia levantado segundo o qual o Primeiro-Ministro tem que dizer
porque é que nós sabíamos que havia armas de destruição maciça no Iraque e
agora não há lá nada. Mas, se repararem a questão das armas de destruição
maciça no Iraque, não era ninguém que tinha que demonstrar que o Iraque tinha
armas de destruição maciça, o Iraque é que tinha que demonstrar perante a
Comunidade Internacional que as tinha destruído, isso é que nunca fez. Essa
questão foi sempre uma questão lateral no discurso político utilizado pelo
Governo Português. O que o Governo Português sempre disse foi o seguinte:
Se os Estados Unidos que são desde há muito tempo
o nosso principal aliado, se os Estados Unidos estão envolvidos numa luta
contra o terrorismo e contra ditaduras hediondas, como é o caso do Iraque, nós
sabemos de que lado estamos. E se os Estados Unidos nos pedirem ajuda nós
daremos ajuda na qualidade de aliados e tendo a noção clara do que significa
ser aliado? Significa dar apoio! Os aliados não servem para criticar, não se
chama a isso aliado. E nós tivemos sempre uma posição clara, de um lado. Se
houvesse uma guerra que nós não desejávamos, a guerra teria como fundamento a
vontade dos Estados Unidos combater um regime ditatorial, bárbaro e que é
suposto ter armas de destruição maciça. Se os Estados Unidos se envolvessem na
guerra, nós só tínhamos duas hipóteses, (não podíamos estar ao lado do Iraque,
tínhamos duas hipóteses), fazíamos como Pôncio Pilatos, lavar as mãos e dizer
que não era nada connosco, ou dizer que são nossos aliados, e os aliados servem
para as ocasiões. Como os Estados Unidos estiveram com os seus aliados quando
os estes precisaram. Era muito mais fácil para os Estados Unidos terem dito: O
quê? Morrermos na Europa por causa do Hitler? Os europeus que resolvam o
assunto, não é connosco. Nós tomámos uma posição alicerçada em valores e em princípios,
e sendo uma posição alicerçada em valores e em princípios não temos que ter
contrapartidas. Agora, é perfeitamente legítimo dizer, como o estamos a dizer
agora, nós, quando os momentos foram decisivos, estávamos lá e agora nós temos
os nossos interesses, temos os problemas das nossas empresas e dos nossos
empresários e queremos também estar presentes na recuperação económica do
Iraque. É diferente, o linking seria errado, a possibilidade de utilizar a
oportunidade que existe e fazer valer a influência que temos junto dos
americanos para explorar essa oportunidade é perfeitamente legítima. (PALMAS)
Pedro Cardoso (Grupo Encarnado)
Muito bom dia a todos. A nossa pergunta é a
seguinte:
Hoje o Direito Internacional Público é composto já
por um enorme acervo de normas e princípios unanimemente aceites, para tal a
comunidade internacional possui uma complexa rede de organizações, através das
quais pode manifestar essa sua vontade comum. Contudo, na verdadeira hora dos
conflitos e dos massacres de populações indefesas, todos paracem estar mais
preocupados com o melhor timing para cada Estado, quais os seus interesses
individuais e simplesmente de quem tem ou não o Poder para os implementar. Será
que o que dita as questões humanitárias é a força das armas?
José Matos Correia
Sabe que a questão que coloca é uma questão que
nos levaria muito tempo a elucidar, porque tem que ver com o próprio papel do
Direito Internacional no actual sistema e tem que ver com o papel de actores
não estaduais, como é o caso das organizações do sistema internacional.
Mas eu posso começar, também, por responder à sua
pergunta colocando uma pergunta provocatória, que é a seguinte:
Quantos dos presentes é que estariam dispostos a
integrar Forças Armadas Portuguesas para ir morrer para o Kosovo, proteger a
população do Kosovo?
Nós temos que ter a noção que há um aspecto que se
joga a nível super estrutural mas há aspectos que se jogam a nível
infraestrutural, nós não podemos fingir que a comunidade internacional não
continua hoje a ter como elementos preponderantes os Estados e não podemos
fingir que os elementos determinantes da vontade das organizações
internacionais estão também assustados. Quer dizer, quando foi a primeira
guerra do Iraque os membros permanentes do Conselho de Segurança entenderam-se
e as Nações Unidas autorizaram a intervenção militar no Iraque. Quando foi a
segunda guerra do Iraque os cinco membros permanentes não se entenderam e as
Nações Unidas não autorizaram a intervenção militar no Iraque. Temos que perceber
que isto não são coisas que se jogam no etéreo, jogam-se de acordo com os
interesses dos Estados e nos momentos determinantes. Nas questões essenciais o
que continua a contar são os interesses dos Estados.
Porque é que houve guerra na Jugoslávia? Houve
guerra na Jugoslávia por razões várias:
Primeiro porque os jugoslavos não se entendem, a
Jugoslávia era uma criação artificial mantida com mão férrea, já foi a
Jugoslávia que deu origem à Primeira Guerra Mundial, o problema da Jugoslávia é
como o Constantino vem de longe! E há factores endógenos à Jugoslávia mas há
factores exógenos. Por exemplo, a França e a Alemanha não se entenderam
relativamente ao problema da Jugoslávia, havia quem entendesse que a Jugoslávia
devia manter-se como um país unido e tudo devia ser feito nesse sentido. Havia
outros países que entendiam que não e que o melhor era reconhecer a
independência rapidamente das diferentes repúblicas e pôr fim à Jugoslávia, o
resultado foi o que se viu. Passaram-se massacres hediondos na Jugoslávia, nós
convivíamos todos os dias com eles na televisão, eu não vi assim nenhum
português oferecer-se como voluntário para lutar ao lado dos bósnios contra o
ataque dos sérvios. Repararão que só quando, de facto, a opinião pública
norte-americana mudou radicalmente de ponto de vista é que o Clinton se sentiu
pressionado a dar um murro na mesa e dizer: Acabou a guerra na
Bósnia/Herzgovina.
É curioso, o que é que os norte-americanos fizeram
quando foi a questão da Jugoslávia? Começaram por dizer, isso é um problema
europeu, os europeus que o resolvam. Os europeus fizeram a triste figura que
fizeram, então as Nações Unidas que resolvam. As Nações Unidas foram incapazes
de resolver, nós assistimos a coisas absolutamente únicas no conflito da
Bósnia, quando os sérvios se deram ao luxo de atar capacetes azuis a postes ao
lado de depósitos de munições para não haver ataques a esses depósitos e as
Nações Unidas olhavam para aquilo com ar estupefacto, até que um dia o Clinton
começou a sentir a pressão da sua própria opinião pública e começou a perceber
as consequências políticas que aquilo podia ter para a sua reeleição, e disse:
Alto, agora eu chamo o assunto a mim. Chamou toda a gente: o Milosevick, o
Todgman da Croácia e o Presidente Bósnio, da minoria muçulmana bósnia, e disse:
“Agora não saiem daqui, de Dayton sem assinarem um acordo, e o acordo foi
assinado e foi cumprido”
Nós vivemos durante vinte e tal anos uma situação
que nos afectou directamente, que foi a situação de Timor que era claramente
uma situação de violação da ordem internacional, com um extermínio sistemático
de uma população, nós assistimos ao ridículo de haver um desrespeito por parte
de grupos apoiados pela Indonésia e dos resultados do referendo e a comunidade
internacional a bater à porta do Presidente indonésio a dizer: Não se importa
que as Nações Unidas intervenham? Recordar-se-ão que as Nações Unidas só
intervieram na Jugoslávia depois da autorização dada pela Indonésia. E, nós não
podemos ter do Direito Internacional e das suas instituições nem uma visão
excessivamente catastrofista ou excessivamente realista, se quiser, nem
excessivamente idealista. A realidade é a que é, os intervenientes nessa
realidade têm os interesses que têm e têm o poder que têm. E, portanto, temos
que perceber que em determinados momentos não há interesse de quem manda ou de
quem tem poder de enveredar por um determinado caminho e que as organizações
internacionais são evidentemente objecto de querela interna e são afectadas por
uma maior ou menor eficácia nas suas decisões em função dos interesses
contraditórios dos Estados, que se degladiam
em determinados momentos. Eu
diria que temos que manter nesta matéria os pés na terra, seria irracional
achar que as Nações Unidas têm condições para manter a paz e a segurança
internacional. Mas também não é adequado achar que as Nações Unidas são uma
completa inutilidade e que mais valia passarmos sem as Nações Unidas, porque eu
estou seguro que as coisas estariam muito piores se não houvesse uma coisa
chamada ONU. (PALMAS)
Francisco Figueira (Grupo Verde)
Bom dia a todos. A pergunta que o Grupo Verde lhe
queria colocar tem a ver com uma coisa que só falou assim de forma marginal,
que é:
No contexto europeísta e atlantista em que, e bem,
colocou Portugal, que mais valias poderemos ou não retirar das nossas relações
privilegiadas com espaços geopolíticos, como o Brasil, os PALOP, com os quais
temos ligações históricas grandes.
José Matos Correia
Essa questão tem que ver com um aspecto que eu, de
facto, só abordei lateralmente, que é o problema da definição da identidade
política ou diplomática de Portugal. E tem que ver com outro aspecto que eu
referi na minha intervenção, que é o problema da forma diferente como temos de
olhar o poder dos Estados hoje em dia, dado o esboroar do conceito de
soberania. Nós estamos na Europa mas não queremos diluirmo-nos na Europa, são
coisas diferentes. Nós queremos uma Europa unida, nós queremos uma Europa forte
mas queremos uma Europa que seja de todos e queremos que seja uma Europa para a
qual todos contribuam e em que nenhum se sinta numa situação de inferioridade.
Ora isto significa que a Europa deve servir para permitir a gestão conjunta
daquilo que tem que ser gerido conjuntamente mas tem ao mesmo tempo que
valorizar aquilo que cada um traz de diferença para o projecto europeu. Cada
Estado e em particular os pequenos Estados têm todo o interesse nessa
diferenciação. Portugal tem que ter a noção que está num processo que tenderá a
aprofundar-se e alargar-se e cada vez mais coisas são idênticas e comuns. Mas
como, julgo eu, nós não queremos uma diluição completa dos Estados, queremos
uma Europa de Estados, não queremos, eu pelo menos eu não quero, uma Europa
federalizada, como é o modelo norte-americano. Queremos um modelo diferente, isso
significa que cada Estado tem que manter aquilo que o identifica a si próprio.
A sua mais-valia é demonstrada por isso, mas também a sua autonomia no contexto
do projecto europeu advém da afirmação daquilo que é a sua diferença face aos
outros. E, nesse contexto o problema da ligação fora da Europa, seja ela a
questão do laço transatlântico que nos une aos Estados Unidos e ao Canadá, seja
ela a ligação às áreas a que historicamente, estamos relacionados é essencial.
Temos que ter a noção clara que a relação com os
países de língua oficial portuguesa, não é uma alternativa. De vez em quando
ainda há umas pessoas que quase dizem, “bom, nós temos uma lusofonia, uma
alternativa”. Não temos! Uma lusofonia não é uma alternativa. A lusofonia é uma
das formas de afirmar a nossa identidade enquanto Estado. E se a Europa for
inteligente, e é, perceberá que a afirmação da identidade lusófona portuguesa é
uma forma de reforçar o poder da Europa no mundo, porque é uma maneira que a
Europa tem de estar relacionada privilegiadamente com 5 países africanos, dois
dos quais muito importantes, na costa ocidental e oriental de África (Angola e
Moçambique), estar presente na Ásia (mas, há outras potências europeias que têm
boas relações com a Ásia, a Holanda com a Indonésia, por exemplo), mas em
particular com o Brasil. O Brasil é o maior investimento da História de
Portugal, são 170 milhões de pessoas que falam português e que estão no Brasil.
Se olharem para as diferentes comunidades baseadas na História e na Língua, a
comunidade francófona, a comunidade anglófona (ou COMMONWELTH) e a comunidade
lusófona, esta é a única em que o país mais importante não é a potência
colonial tradicional. Na COMMONWELTH o país mais importante é, de facto, a
potência colonial tradicional em termos do poder que tem, em termos da situação
que ocupa no mundo, que é a Inglaterra. Na comunidade francófona a mesma coisa,
o país mais importante da comunidade francófona é a França, em termos de poder,
em termos de
História, em termos da sua posição no mundo. No caso da
comunidade lusófona o mesmo não se passa. O país mais importante no âmbito da
lusofonia não é Portugal, é o Brasil. O Brasil pode perfeitamente aspirar a um
lugar de membro permanente do Conselho de Segurança se for alterada a
composição do Conselho de Segurança e nós, aliás, apoiamos o Brasil para esse
efeito. Mas isto não deixa de trazer aqui alguma complicação, porque o Brasil
tem um conjunto de possibilidades de se afirmar como grande potência regional
que nós não temos. Isso depois é um problema da relação bilateral que tem sido
bem gerida e continuará, certamente, a ser bem gerido. Mas há aqui, de facto,
um aspecto essencial, Portugal não pode nem deve nunca esquecer aquilo que foi
durante 4 séculos (os Descobrimentos só começaram no final do século XV), e
quanto mais nós progredirmos no caminho da integração europeia mais importante
é que Portugal afirme essa especificidade lusófona. Aas pessoas às vezes não
percebem ou não querem perceber que não é por acaso que na última revisão constitucional,
em 2001, (feita a propósito do Tribunal Penal Internacional), se foi alterado o
artigo 10.º da Comissão por norma simples que diz: A língua oficial é o
português. Vieram logo aí não sei quantas pessoas, a começar pelo Dr. Francisco
Louçã a dizer: Mas isso é uma estupidez. Que a Constituição espanhola diga que
a língua espanhola é o castelhano, assim à primeira vista percebe-se, porque a
Espanha fala várias línguas e não há espanhol. Agora pôr na Constituição
portuguesa que a língua oficial portuguesa é o português, não passa pela cabeça
de ninguém. Em Portugal tirando o mirandês e o português nos seus diferentes
sotaques, que às vezes é quase impronunciável e difícil de detectar, mas a
verdade é que todos falamos português. Só não percebem que aquilo foi feito com
um objectivo claro, com o objectivo de dizer que nós não estamos disponíveis no
âmbito europeu para certo tipo de decisões, porque esse tipo de decisões pode
afectar um dos elementos fundamentais da afirmação da identidade nacional portuguesa,
que é a Língua Portuguesa, esse é um aspecto simbólico mas que é determinante
nessa posição portuguesa de afirmar a lusofonia, não como uma alternativa à
integração europeia mas como um aspecto essencial para compreendermos o que é
que Portugal é e aquilo que Portugal deve querer continuar a ser. (PALMAS)
Carlos Coelho
O Dr. José Matos Correia numa resposta que já deu
há pouco recordou 3 documentos que são, aliás, muito interessantes para a pasta
de documentação que estão a ser produzidos, serão distribuídos no início da
sessão da tarde.
Fernando Santos (Grupo Amarelo)
Bom dia, Deputado José Matos Correia,
Excelentíssimo Reitore, em nome do grupo amarelo a nossa pergunta é:
Qual o papel, que importância tem Portugal na
criação de pontes diplomáticas, sociais e económicas entre a União Europeia e
os PALOPS para pôr fim aos problemas sócio-económicos desses países,
principalmente depois da recente crise do Iraque e da separação entre dois
eixos, Paris/Berlim e Londres/Lisboa/Madrid? Obrigado. (PALMAS)
José Matos Correia
O problema é que as questões que vocês colocam
levam-nos sempre ou dever-nos-iam levar sempre a ter que abordar um conjunto de
questões mais alargado.
A semana passada, julgo eu, a secretária para as
relações internacionais do Partido Socialista escreveu um artigo no “Público” a
reconstituir uma espécie de tese mirabolante, dizendo que já se estavam a fazer
sentir os resultados negativos de Portugal ter apoiado os Estados Unidos na
guerra do Iraque e que estávamos a perder apoios em todo o lado e que já
tínhamos perdido não sei quantas candidaturas, enfim, teses mirabolantes.
Mas, esta é uma pergunta que, de facto, se pode
pôr e que se pode pôr a propósito da questão que me colocou, isto é, os países
lusófonos e Timor precisam de um apoio significativo para o seu
desenvolvimento. Uma parte importante do seu desenvolvimento está ligada aos
fundos externos e o maior dador de fundos para a recuperação do mundo é a União
Europeia, desde os tempos da Convenção de “AUNDÉ” com o fundo europeu para o
desenvolvimento até aos tempos de hoje. Isto pode ter alguma consequência? Não,
na minha opinião nenhuma, zero por razões de ordem vária:
Primeiro, porque o quadro institucional de apoio
aos países do terceiro mundo está definido, quer dizer, a União tem um conjunto
de acordos com os países ACP e são esses acordos que definem os plafonds
financeiros e os termos em que o apoio vai ser concedido, isso não é alterado
apenas porque eles são lusófonos.
Por outro lado, o desenvolvimento económico desses
países está muito ligado à questão do investimento estrangeiro. Um empresário
se tiver boas oportunidades de investir num país lusófono, não vai deixar de
investir num país lusófono porque Portugal apoiou os Estados Unidos na Guerra
contra o Iraque, mesmo que o investidor seja alemão, ele está-se mais ou menos
nas tintas para quem apoiou quem na última guerra, que ele se calhar nem deu
por ela. O que lhe interessa é saber se é uma boa oportunidade de negócio e se
for ele vai. E, portanto, na minha opinião os alinhamentos que se geraram no
seio da União Europeia, ainda bem que você recordou a lógica das alianças,
porque é curioso continentalidade de um lado, atlanticidade do outro, o eixo
europeu ainda em vigência face aos Estados Unidos é o eixo puramente
continental, Berlim/Paris. O eixo de apoio aos Estados Unidos da América é o
eixo Atlântico, as capitais que dão para o mar, (Madrid não dá bem para o mar
mas, o país dá para o mar). E, portanto Lisboa, Madrid, Londres. Como sabe há
uma tradicional união muito forte entre 3 países europeus que levam a que
normalmente nós nos refiramos a eles pela sigla dos 3 “BENELUX”, a Bélgica, a
Holanda e o Luxemburgo. Quando foi a questão do Iraque, a Bélgica e o
Luxemburgo ficaram do lado da França e da Alemanha, a Holanda quebrou a
solidariedade no âmbito do BENELUX e aliou-se aos mais atlantistas, porquê?
Porque a Holanda tem tradicionalmente uma posição atlântica pois é um país
virado para o mar, aliás, às vezes não é só virado, tem mesmo o mar dentro de
casa.
Agora, eu julgo que isso não tem consequências por
estas razões que lhe estava a referir. São planos diferentes. A União Europeia
julgo que não confunde as coisas e também eu podia-lhe fazer a pergunta noutros
termos: Se, porventura, no auxílio aos países da América Latina o facto de a
Espanha ter apoiado os Estados Unidos se ia ter consequências. Julgo que não,
as coisas movem-se em planos distintos, os interesses em presença são
divergentes e por essa via não terá acontecido nem está para acontecer nada em
especial.
Mas já agora deixe-me que lhe diga uma coisa a
propósito do desenvolvimento dos países lusófonos e do apoio exterior. Falamos
muito no apoio externo para o desenvolvimento dos países do terceiro mundo, nós
temos que ter de uma vez por todas a noção clara de que o desenvolvimento dos
países do terceiro mundo está muito ligado às transferências financeiras vindas
do estrangeiro, públicas ou privadas, mas está em grande medida, senão na maior
parte dependente da capacidade desses países para fazer aquilo que devem. A
Guiné-Bissau tem os problemas que tem porque não recebe apoio estrangeiro ou
porque tem os responsáveis políticos que tem? São Tomé e Príncipe tem os
problemas que tem só por não ter apoio estrangeiro, (que tem bastante), ou
porque não foi capaz de tomar as medidas devidas para pôr o país a funcionar? É
que temos que ter esta noção também.
E, portanto, embora isto já não tenha que ver com
a sua pergunta mas foi-me suscitada a propósito dela, é evidente que esses
países são subdesenvolvidos, precisam de apoio externo e Portugal tem um papel
importante, não só em dar esse apoio mas em sensibilizar outros meios,
nomeadamente os europeus para esse apoio mas é preciso termos a noção clara que
muitas vezes esses países estão no estado em que estão não por falta de apoio
exterior mas por incapacidade de aplicação dos fundos que recebem do exterior.
(PALMAS)
Armando Vieira (Grupo Laranja)
Bom dia a todos. Hoje em dia é cada vez mais uma
verdade irrefutável que vivemos num mundo rural, um mundo sem fronteiras e sem
barreiras. Em consequência disto, o poder de decisão de cada Estado soberano
está a ser permanentemente assumido por instituições supra-nacionais, assim
gostaríamos de saber em que medida poderá existir um mundo coeso e estável, se não
tiver a capacidade de gerir as diferenças culturais, religiosas ou sociais de
cada região no mundo, ou seja, poderemos garantir um mundo equilibrado, se não
garantirmos equilíbrios regionais duradouros? (PALMAS)
José Matos Correia
Bom, se eu um dia quiser fazer uma tese de
doutoramento em Relações Internacionais depois lembre-me dessa sua pergunta,
para tentar elaborar uma tese sobre ela.
No contexto desta circunstância, que resposta é
que eu lhe posso dar?
Nós estamos numa circunstância em que é muito
fácil fazer perguntas, é muito complicado dar respostas e imagine se é muito
complicado dar respostas quando eu estou na situação em que estou, imaginará a
dificuldade que têm os Presidentes e os Primeiros Ministros para dar resposta
aos problemas com que são todos os dias confrontados, e quando têm a noção de
que a decisão que tomarem pode ter consequências muito benéficas mas também
extraordinariamente devastadoras. Eu presumo que a dúvida que vocês têm é a
dúvida que o Presidente Bush e os seus conselheiros devem ter posto sobre se
deviam ou não invadir o Iraque. É a dúvida que o Dr. Durão Barroso deve ter
posto quando colocado perante um conflito, teve que decidir, “faço como os
europeus eixo Berlim/Paris ou apoio os Estados Unidos? Isto vai ter consequências
boas ou más? Para Portugal isto é melhor ou pior? Para Portugal isto facilita o
entendimento com os nossos parceiros ou dificulta?”
A sua pergunta, portanto, é uma pergunta
extremamente difícil de responder, porque nós temos um sistema internacional
que vamos descobrindo há medida que vamos tacteando, para utilizar aquela frase
conhecida “o caminho faz-se caminhando” e é extremamente difícil apontar
soluções para as dificuldades que todos os dias se nos colocam. Se vocês se
derem ao trabalho de olhar para aquilo que têm sido os debates, sobretudo nos
últimos 2 anos, sobre os caminhos da política externa dos diferentes países,
verão que as coisas estão muito quentes, muito mais do que estavam em 1965,
porque aí o tal quadro de raciocínio era claro e aqui não. Aqui, repare, os
académicos têm hoje uma responsabilidade que não tinham anteriormente. Porque é
que a Condolesa Rice é hoje a National Security Advicer do Presidente George W.
Bush? A Condolesa Rice era uma das maiores especialistas académicas
norte-americana no estudo das relações entre os Estados Unidos e a Europa. Para
além de já ter servido num lugar de menos relevância na administração do pai
Bush. Mas alguns dos principais responsáveis pela política externa e pela
política de segurança norte-americana são académicos, que têm uma determinada
visão do mundo, que têm uma visão do que deve ser a posição norte-americana e
que convenceram o Presidente Bush que esta é a melhor solução mas há outros com
posições divergentes. Imagine, eu que sou professor universitário estou todo
contente por ser professor universitário em Portugal, se fosse nos Estados
Unidos, poderia ter o Bush a seguir as minhas opiniões… (risos) … era uma
responsabilidade com a qual eu não sei se conseguiria dormir todas as noites.
Ora, aquilo que eu vos tentei hoje transmitir é
uma abordagem necessariamente subjectiva das análises que eu faço, com base nos
conhecimentos e nas ideias de terceiros, sobre a evolução do sistema. E teria
mais facilidade em responder-lhe se eu pudesse prever com clareza o que é que
cada player vai fazer mas eu não sei o que é que vão fazer. Há aqui uma
oscilação e uma instabilidade no sistema que torna muito difícil prever. Eu,
por exemplo, acho que neste momento os norte-americanos apostaram de facto numa
deriva unipolar, os Estados Unidos vão fazer o que quiserem com ou sem apoio.
Repararão, aliás, que os Estados Unidos quando foi da guerra do Iraque chegaram
a dizer, perante a hesitação de Blair, nós vamos com a Inglaterra ou sem a
Inglaterra, vamos, acabou! Aliás, poderiam ter ido, não serão 15 mil ingleses
que ganharão a guerra no Iraque ou 2000 australianos. A presença dos Ingleses
serviu como uma almofada de apoio político para os norte-americanos, para
dizer: “nós também temos cá os ingleses e para os ingleses” surgiu como uma
forma de se afirmarem externamente.
Agora eu não posso garantir que daqui a 6 meses
não haja uma inversão, se as coisas no Médio Oriente se agravarem de uma forma
extraordinária, e que isso leve a China e a Rússia a ter determinado tipo de
comportamentos, que os norte-americanos não achem, “alto, espera lá que isto se
calhar o melhor é nós enveredarmos por outro caminho, porque por este não vamos
bem”. Desde que a guerra no Iraque começou os Estados Unidos houve um conflito
entre a linha unilateralista e a linha multilateralista e os Estados Unidos
afirmaram claramente a unilateralidade. Portugal tem, muitas vezes, um conjunto
de académicos e de analistas que são mais ou menos como Lucky Luke, que
disparava mais rápido que a própria sombra, há muitas pessoas em Portugal que
falam mais depressa que o seu próprio raciocínio e que depois dizem uma série
de coisas que não tem nenhum sentido. E, agora costuma muito falar-se na
postura de extrema-direita do Presidente Bush e no conservadorismo do
Presidente Bush e não sei mais o quê. Mas, isso não é rigorosamente verdade, se
vocês repararem no que diz respeito a este tipo de discurso dos bons contra os
maus, da liberdade contra a opressão a diferença que há entre Bush e Clinton é
mais uma diferença de tom do que uma diferença de substância. Há um artigo
muito interessante publicado, se não me engano este fim-de-semana, pelo Dr.
Miguel Monjardino, que é como sabem um grande especialista em questões de
segurança e defesa internacional, no Diário de Notícias, em que ele lembra, e
bem, a propósito desta questão, que quem disse que os Estados Unidos estavam do
lado certo da história não foi o Presidente Bush, foi o Presidente Clinton.
Portanto, a diferença entre o Bush e o Clinton não é tanto como se quer fazer
crer, e em Portugal muita gente quer passar, a ideia de que o Clinton era um
democrata respeitador das instituições internacionais e que o Presidente Bush é
um trauliteiro republicano que bombardeia e invade toda a gente. Quem bombardeou
o Kosovo sem autorização das Nações Unidas, que eu saiba não foram os
republicanos e o Presidente Bush, foi Clinton. Agora, o que há, porventura, é
uma diferença, não propriamente ideológica mas, estratégica sobre o modo como
os Estados Unidos se comportam. O Presidente Clinton privilegiava mais a
abordagem multilateralista, aliás como o pai Bush. Numa primeira fase o filho
Bush andou ali um bocadinho a navegar mas depois, sobretudo a partir do 11 de
Setembro, há uma clara aposta numa deriva unilateralista e numa teoria que é
nova. Aliás um dos artigos que vos vou deixar, e que não foi publicado ainda,
chama bem a atenção para isso, é aquilo que a que, não sei se foi o Cheeny
chamou “The Coalition of the Willing”, aquilo que em português, não duma forma
directa, se pode traduzir por coligações flutuantes. Se repararem os Estados
Unidos na luta contra o terrorismo fizeram um conjunto de coligações
flutuantes, se quiseram fazer uma intervenção no Afeganistão, fizeram um acordo
com o Paquistão e com alguns países da Ásia Central para terem bases para
invadir o Afeganistão. Não hesitaram em calar a boca sobre os abusos dos
direitos humanos na Chechénia quando perceberam que a Rússia era importante na
coligação contra o terrorismo. E, portanto, eu diria que no caso dos Estados
Unidos, mais que uma alteração política ou ideológica, embora aí haja
claramente uma diferença de tom, todos os americanos (sejam eles democratas ou
republicanos) acham que os americanos estão no lado certo e os outros estão do
lado errado. O Presidente Bush diz: Nós estamos do lado certo, quem quiser
venha e quem não quiser não venha.
Agora, a diferença, julgo eu, é mais estratégica
do que política ou ideológica. Isto não é a resposta à sua pergunta mas é um
conjunto de reflexões que a sua pergunta me suscita porque a sua pergunta por
natureza não tem resposta, é uma resposta que nós iremos descobrindo à medida
que a evolução do sistema internacional se for dando. (PALMAS)
Sérgio Dias (Grupo Bege)
Muito bom dia a todos. A pergunta do grupo bege é
a seguinte:
O recente atentado às instalações da ONU em Bagdad
leva a pensar que ela é hoje um alvo declarado de grupos terroristas. Face a
esta conclusão deverá ou não repensar-se quer a estrutura quer o funcionamento
dessa organização? Obrigado.
PALMAS
José Matos Correia
Esta é mais fácil de responder. Ou melhor uma
parte dela é mais fácil de responder, porquê? Porque eu acho que não há relação
entre a alteração da estrutura e o funcionamento das Nações Unidas e o problema
daquilo que se passou com as Nações Unidas no Iraque.
As Nações Unidas e em particular, infelizmente, o
Sérgio Vieira de Melo estavam no local errado no momento errado, porque se
repararem há, de facto, uma alteração qualitativa com aquilo que se passou no
Iraque há 3 semanas atrás. Não há memória de atentados daquela natureza às
Nações Unidas, é raríssimo um atentado a personalidades importantes das Nações
Unidas, é raríssimo. Eu só me lembro, enfim como aliás foi referido pelos meios
de comunicação social, só me lembro de um caso similar de um alto responsável
das Nações Unidas, que foi o Conde de Bernardete que foi assassinado no final
da década de 40. Desde então não me lembro de nenhum alto responsável das
Nações Unidas ter sido assassinado, ainda para mais pela forma como foi
planeado o atentado ao hotel em Bagdad. Foi mesmo “intuitus personae”, foi
feito daquela maneira para ser no sítio onde estava o Sérgio Vieira de Melo,
com um objectivo claro, o objectivo de intimidar as Nações Unidas e porquê?
Porque as Nações Unidas não são atacadas como são
os Estados Unidos da América, atacadas do ponto de vista político. Quer dizer,
é fácil explorar o sentimento anti-americano entre os Iraquianos, não é fácil
explorar o sentimento anti-Nações Unidas, pelo contrário, as Nações Unidas
foram quem sempre esteve do lado das populações, mesmo nos momentos mais
difíceis. O programa alimentar das Nações Unidas foi quem alimentou aquelaa
gentea mesmo no período mais complicado das sanções. As Nações Unidas podem ter
um papel determinante no auxílio à estabilização da situação social do Iraque e
na reconstrução da sociedade iraquiana. O Presidente Bush não é parvo e
percebeu isso quando permitiu aquela resolução do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, a 1483, que permite a presença das Nações Unidas em determinados
moldes no Iraque. Atacar as nações Unidas é uma forma de atacar, e tentar levar
para fora do Iraque quem tem a confiança dos iraquianos. É uma maneira de
impedir o envolvimento internacional ou de tentar impedi-lo, justamente numa
circunstância em que esse envolvimento internacional é querido pelos
iraquianos, ao contrário do que acontece com a presença da coligação inglesa e
norte-americana.
Agora, a meu ver, não está directamente
relacionado com a outra questão que colocou, que é o problema de reorganização
da ONU. Não é a reorganização da ONU que vai impedir que coisas destas
aconteçam. A reorganização da ONU é evidentemente indispensável, porquê?
Reparem, a Carta das Nações Unidas é um
anacronismo histórico. A Carta das Nações Unidas foi feita em 1945 e para vos
dar um exemplo do anacronismo histórico, a Carta das Nações Unidas continua a
falar num dos seus artigos finais nos Estados Inimigos, querendo com isso
referir-se à Alemanha e ao Japão. Portanto, a Alemanha é hoje membro das Nações
Unidas, é há 30 anos, desde o início da década de 70 e tem normas na Carta das
Nações Unidas que são dirigidas contra ela, que era um Estado Inimigo na 2.ª
Guerra Mundial. Isto para já não dizer que a Carta das Nações Unidas tem uma
referência ao Conselho de Tutela, quando o regime da tutela já não funciona.
Mas, mais grave do que isso, a Carta das Nações Unidas tem um défice de
legitimidade, isto vai a um ponto que é sensível, mas a meu ver importante. Nós
vivemos uma circunstância internacional muito curiosa, que é esta, que foi
muito explorada a propósito da Guerra do Iraque:
Em Portugal confundiram-se 2 conceitos durante a
guerra, a ilegalidade e a ilegitimidade. Disse-se muita vez que a guerra no
Iraque foi uma guerra ilegítima porque não foi autorizada pelas Nações Unidas.
Quanto muito o que posso dizer é que a guerra no Iraque foi uma guerra ilegal
porque não foi autorizada pelas Nações Unidas. O problema da ilegitimidade é um
problema que se coloca num plano diferente, e eu até posso dizer, se calhar,
que a guerra no Iraque foi legítima porque visou destronar uma ditadura
sanguinária chefiada por um senhor chamado Saddam Hussein. O problema é um
problema de legalidade, não é um problema de legitimidade.
Agora nós vivemos uma circunstância curiosa, que é
esta: nós afunilámos a segurança internacional para um beco sem saída, porque o
que dizem as pessoas que criticaram a intervenção militar dos Estados Unidos, é
o seguinte:
Só pode haver uma guerra se houver autorização das
Nações Unidas, como nunca há uma autorização das Nações Unidas, (houve a
questão do Iraque em 1991 e mesmo aí não é fácil classificar a decisão do
Conselho de Segurança das Nações Unidas), vivemos numa situação paradoxal, que
é esta: O Conselho de Segurança tem a capacidade exclusiva para determinar se
pode haver ou não uma guerra, mas como o Conselho de Segurança não decide, das
duas uma as guerras que há são ilegais ou não há guerras e, não se podem punir os prevaricadores. E fomos
conduzidos a uma situação destas, que é de facto uma situação abstrusa, da qual
não podemos sair, por uma razão simples: É que os cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança não são parvos e então puseram uma norma na Carta das
Nações Unidas que diz o seguinte:
A Carta das Nações Unidas para ser revista tem que
requerer obrigatoriamente o voto favorável dos 5 membros permanentes.
E, portanto, o que em 1945 foi feito na
Conferência de São Francisco foi isto: “Definam-se as regras as regras só mudam
se nós quisermos. É claro que nós não queremos, e como nós não queremos as
regras não mudam”. Isto tem consequências muito complicadas, por exemplo, do
ponto de vista da legitimidade das Nações Unidas. O Conselho de Segurança das
Nações Unidas tem 15 membros, inicialmente tinha 11 e no início da década de 60
passou a ter 15. Quando as Nações Unidas foram criadas tinham 51 membros, as
Nações Unidas têm hoje quase 200. O que eu lhes vou dizer é um pouco ridículo
mas para perceberem o meu raciocínio, porque é que Portugal e a Espanha não são
Membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas? Nós também
dividimos o mundo em Tordesilhas, porque é que não devemos ser membros do
Conselho de Segurança? Ou porque é que as potências signatárias da paz de
Vestefália não hão-de ser membros permanentes do Conselho de Segurança? Ou as
potências signatárias do Congresso de Viena não hão-de ser membros do Conselho?
Quer dizer, não tem sentido! A 2.ª Guerra Mundial
foi uma guerra importante mas foi uma guerra como houve muitas na História da
Humanidade. Tem algum sentido perpetuar, mais de 58 anos do final da guerra, um
determinado status quo? Porquê? Por uma razão simples: os que venceram a guerra
não querem alterar esse status quo. Nós precisamos, por exemplo, de alterar a
composição do Conselho de Segurança, porque é que o Brasil não há-de ser membro
do Conselho de Segurança? Qual é o critério para ser membro do Conselho de
Segurança? É ser rico? Então o que é que a China e a Rússia lá estão a fazer? É
ter armas nucleares? Então porque é que, pelo menos, o Paquistão e a Índia não
hão-de lá estar? Qual é o critério? Não há! O critério é: Ganhámos a guerra,
estamos aqui daqui não saímos, daqui não saio daqui ninguém me tira. E estamos
numa situação
em que o
Conselho de Segurança já não reflecte nem o status quo de 45
nem sequer o carácter muito diversificado da comunidade internacional, porque
nós temos 10 lugares de membros não permanentes para representar 190 Estados, o
que não tem sentido. Era fundamental revermos a Carta, alterar a estrutura da
organização e alterar os poderes da organização mas isso só se os 5 membros
permanentes quiserem e isso os 5 membros permanentes não querem. Repare que em
1995 o professor Freitas do Amaral foi Presidente da Assembleia Geral das
Nações Unidas e ele disse que a sua grande prioridade, a grande prioridade da
sua presidência era rever a Carta das Nações Unidas, 8 anos passados já nem se
fala da revisão da Carta, porque os 5 membros permanentes nem querem ouvir
falar nisso.
PALMAS
Pedro Coelho (Grupo Castanho)
Bom dia a todos. Amanhã será o dia 11 de Setembro,
um dia que ficou marcado pelos acontecimentos mais terríveis na História da
Humanidade. Mas desde então tornou-se visível, principalmente para o Mundo
Ocidental, que o que acontece do outro lado do mundo tem repercussões
económicas e nós vimos, por exemplo, o caso das companhias aéreas bem imediatas
e bem perto de nós. A questão é:
Como contornar esse efeito perverso da
globalização no nosso dia a dia?
José Matos Correia
Sabe que eu às vezes, faz amanhã (como você reparou e bem) dois anos, mas
ainda hoje às vezes acho que não reflectimos bem, em Portugal em particular,
sobre isto do onze de Setembro. Lembro-me que estava à frente de uma televisão
no dia onze de Setembro, estava a ver as imagens transmitidas em directo com a
CNN, (a CNN é um dos grandes causadores da globalização, mais de que um
produto, ela própria é um causador da globalização), estava a olhar para a
televisão e estava a pensar, quando foi o ataque à primeira Torre, estava a
pensar com os “meus botões”: “mas tanto sítio que tinham para chocar um avião,
tinham que ir chocar nas Torres gémeas”, como é que alguém se lembra de ir
bater naquilo, num sítio daqueles, daquele tamanho, porque não me passou sequer
pela cabeça, (e, as primeiras interpretações se recordarem foram que teria
havido um acidente), como é que alguém vai bater nas Torres gémeas, aquilo
vê-se tão bem ao longe. Depois só, de facto, à segunda é que percebi que dois
baterem era um bocado complicado, era coincidência a mais.
Naquelas alturas, (isso ter-vos-á acontecido a muitos de vocês) passa-nos
pela cabeça tudo e mais alguma coisa, em particular nós não podemos deixar de
sentir algum receio face às consequências de um acto daquela magnitude, ainda
por cima, porque ouvimos, mas não vimos, que havia um avião que já tinha caído
no Pentágono, havia um avião que se dirigia à Casa Branca, entretanto se tinha
despenhado, nós temos uma atitude natural e saudável de receio face às coisas
que desconhecemos. O primeiro raciocínio, julgo eu, que fazemos nessas
circunstâncias, não é um raciocínio económico, é um raciocínio político, é o
que é que vai acontecer? Quer dizer, não é impunemente que se ataca a única
super potência que resta no seu coração. Quem faz isto se calhar tem a
capacidade para fazer muito mais, e, quem é que fez isto? Primeira pergunta.
Só num segundo momento é que nós pensamos nas consequências económicas
deste facto, curiosamente as consequências económicas é as que se fazem sentir
de imediato, é absolutamente extraordinário como é que nós continuamos a ter
aquele raciocínio dos Estados, do poder dos Estados, do poderio militar, mais
isto, mais aquilo, e depois um grupo terrorista tem mais consequências sobre o
funcionamento da economia mundial e das bolsas pelo Mundo inteiro, do que um
Estado, com a Rússia ou a China poderiam ter. Isso é consequência da
globalização, não é apenas, mas também é consequência da globalização, porque
mesmo que não houvesse a globalização nos termos em que nós a temos hoje teria
sempre um efeito extremamente negativo, porque as pessoas deixam de andar de
avião, porque há instabilidade não há investimento, etc.
Agora é evidente que a globalização amplifica estes tipo de efeitos
perversos, como você referiu, como é que isto se resolve? Se quisesse ser um
bocadinho demagógico diria: que o caminho para resolver os problemas da
globalização, é mais globalização, mas é uma globalização bem feita, nós temos
que aprender todos a raciocinar num determinado contexto, e, o determinado contexto
é que não vale a pena, os Franceses perderam numa primeira fase a segunda
Guerra Mundial, apesar de terem a inexpugnável linha Maginot, porque nunca nos
passou pela cabeça que o Hitler dava a volta e atacava pelas traseiras, como
não era parvo, de ir directamente à linha mais fortificada do Mundo.
Os estados têm que perder a noção em definitivo, que a sua soberania
constitui uma espécie de linha Maginot, porque não é, e, mesmo que fosse
haveria sempre maneira de dar a volta à linha Maginot, portanto, tem que se
perceber que, era o que eu dizia no final das minhas considerações, há uma
preocupação de regulação que é indispensável, e, a regulação só se faz se todos
perceberem que todos têm que estar envolvidos, não é por acaso que Países como
a Rússia e a China, atribuíram grande prioridade à sua inserção nas
Organizações Económicas Internacionais. Nós às vezes quando raciocinamos as
consequências do final da Guerra Fria refugiamo-nos muito no político, estes e
estes Países passaram a ser da NATO, o pacto de Varsóvia acabou, houve Países
que aderiram à União Europeia que dantes eram comunistas, mas esquecemo-nos que
o final da Guerra Fria teve consequências extraordinariamente importantes do
ponto de vista das Organizações Económicas Internacionais. Repare, nós
assistimos a uma universalização das Organizações Económicas Internacionais que
supostamente eram Universais, mas não eram.
A grande maioria dos Países do Mundo, não pertenciam às Organizações
Económicas Internacionais, Países como a China, como a Rússia, como os Países
de Leste, etc., não pertenciam, porque viam nas Organizações Económicas
Internacionais, o FMI, Banco Mundial, GAT, etc., uma forma de projecção de
poder dos Estados Unidos e o modelo capitalista de vida. Quando acaba a Guerra
Fria nós vemos que mesmo os Países que se mantêm fiéis ao comunismo, como é o
caso da China, pelo menos dizem eles, interessados
em
participar nas Organizações que gerem o Sistema Económico
Internacional, por isso é que a China atribui tanta importância a entrar na
OMC, por isso é que a Rússia não descansou enquanto não entrou para o Fundo
Monetário Internacional e para o Banco Mundial, portanto, é a convicção de que
a globalização se faz e que tem que ser regulada, mas tem que ser regulada
através de mecanismos multi-laterais que definam regras claras, que tenham
poder e que todos aceitem.
Mas um outro aspecto que também tem que ser sublinhado, é que a regulação
económica também se faz fortalecendo cada uma das partes envolvidas, nós
estamos numa economia que cada vez menos pode ser vista na perspectiva
atomística dos Países que se movimentam sós, mas na perspectiva dos blocos
económicos, os próprios Estados Unidos que são quem são, se viram na
necessidade no final da Guerra Fria de criar realidades como a NAFTA – Northern
American Free Trade Association, de entrar em acordo com os seus parceiros da
bacia do Pacífico e criar a APEC – Agency Pacific Economical Coorporation,
portanto, nós temos justamente, porque a competição se globalizou, temos um
ensaio de modelo de regulação que passa pela criação de organizações universais
a que todos pertencem e cujas regras todos aceitem, mas também ao
fortalecimento dos diferentes pólos económicos, por forma a que se aplique aqui
também o princípio da união faz a força, porque face aos desafios da
globalização, nenhum País, nem os Estados Unidos da América estão em condições
de sozinhos enfrentarem os desafios que a globalização coloca. (PALMAS)
Carlos Coelho
Como estamos quase em cima da hora limite, para terminar os trabalhos do
meio dia e meio, e, faltam dois Grupos, vamos alterar um bocadinho o sistema
que temos seguido, os dois Grupos colocam as duas questões em conjunto, depois
o Doutor José Correia responde em conjunto também a cada Grupo, Grupo Cinzento
- Tiago Fernandes.
Tiago Fernandes (Grupo Cinzento)
Bom dia a todos. Como sabemos começa hoje
em Cancun a Conferência
da Organização Mundial de Comércio, é interessante reparar que se anteriormente
os protagonistas eram os Estados Unidos e não a União Europeia, se digladiavam
e impunham aos outros membros os seus acordos, agora foi criado um grupo de
Países em vias de desenvolvimento liderados pelo Brasil, a Índia e a China,
esses Países aceitam negociar apenas caso o dossier agrícola seja resolvido à
semelhança de Joanesburgo
A pergunta do Grupo Cinzento, vai no sentido de saber se existe o dilema
PAC – Organização Mundial do Comércio na União Europeia e nos Estados Unidos?
Cláudia Duarte (Grupo Azul)
Antes de mais bom dia, peço desculpa por vos demorar assim uns vinte
segundinhos a mais, mas agora que tenho oportunidade, porque ainda não tinha
tido oportunidade de o fazer, gostava de dirigir um agradecimento muito
especial ao
Carlos Coelho,
muito especial mesmo... (PALMAS) ...não apenas pelo empenho, mas pela brilhante
coordenação e organização da iniciativa, e, pela enorme capacidade de trabalho
que nós devíamos todos tomar como exemplo... (PALMAS) ...depois, um
agradecimento também que acho que tem sido um bocadinho esquecido, a toda a
equipa que trabalha com o
Carlos
Coelho e connosco, sozinho ninguém trabalha e têm-nos apoiado
ao longo deste dia, depois um agradecimento ao Doutor José Correia, não apenas
por nos brindar com a sua presença, mas também com a eloquência das palavras
que nos tem dirigido até aqui, muito obrigado. (PALMAS)
Agora a nossa pergunta. O Doutor José Correia falava-nos à bocadinho em
atraso estrutural económico e em zonas pobres, como um denominador comum, ao
surgimento e ressurgimento dos fundamentalismos, ou no outro registo como nos elucidou
aos radicalismos islâmicos, e, sendo claramente uma causa de instabilidade
mundial, a nossa pergunta é: não será de apostar em políticas sérias, fundo de
apoio e de prevenção a estas assimetrias que geram depois estes
fundamentalismos, como forma de prevenir esta instabilidade mundial? Muito
obrigado.(PALMAS)
José Matos Correia
Bem, muito rapidamente, peço desculpa, porque eu próprio não controlei o
tempo como devia, e, porventura terei que responder a estas perguntas mais
rapidamente do que fiz relativamente a outras, pedindo desculpa à Organização
pelo facto.
Julgo que a resposta à vossa questão, é uma resposta que deve ser dada de
forma clara, se há uma ligação directa entre a questão da PAC e a questão do
sucesso das negociações multi-laterais comerciais? Há claramente, e, não é de
agora, porque se recordarem, o Carlos recorda-se disso certamente, em mil
novecentos e noventa e dois, uma das grandes razões pelas quais foi feita a
reforma da PAC, foi justamente, porque a reforma da PAC era imprescindível para
as negociações que estavam a decorrer em Maraqueche, e, que conduziram à
criação da Organização Mundial do Comércio.
Agora é evidente que a Organização Mundial do Comércio como todos sabem,
e, os acordos obrigatórios da OMC, isto como sabem na OMC há vários tipos de
acordos, há o compromisso único e depois há um conjunto de acordos que são
facultativos, mas a OMC ultrapassa em muito isso e há outras muitas questões
que vão ter que ser discutidas, a propriedade intelectual, enfim, muitas outras
questões, a melhoria em matéria de redução de direitos alfandegários em muitas
áreas, em muitos Países, etc. Agora há, de facto, uma questão agrícola que é
muito complicada, a agricultura europeia americana é uma ficção completa, o
Carlos Coelho está mais à
vontade do que eu para falar nestes termos, mas o que não se faria de bom na
Europa se não se gastasse a percentagem do orçamento que se gasta na política
agrícola, só que, como repararão, alguns dos protagonistas sociais com mais
peso na Europa, são os agricultores Franceses e Alemães. Nós já temos assistido
a manifestações da importância dessas classes ou desse sector da sociedade
nesses Países. A política agrícola comum foi feita para garantir o
desenvolvimento da agricultura europeia, e, auto-subsistência da Europa em
matéria de agricultura, a Europa agora não sabe o que é que há-de fazer a tanta
agricultura. Hoje em dia felizmente a circunstância é diferente, mas passámos
por períodos onde se morria de fome em não sei quantos sítios do Mundo, e, onde
a Europa pagava milhões e milhões de contos anuais para ter câmaras
frigoríficas com leite e manteiga.
Portanto, a política agrícola não é de facto um aspecto essencial, não é
das negociações da OMC, é de um processo de integração europeia, nós devíamos
ter a coragem de dizer que a Europa não pode pagar aquilo que paga, para manter
um sector marginal da produção económica europeia, agora alguém tem coragem
para fazer isso? Gostava de ver o Senhor Deputado Português ao Parlamento
Europeu,
Carlos Coelho
dizer isto no Parlamento Europeu, nunca mais seria visto a entrar no Distrito
de Santarém. Esta questão é pois, importante, e, nós não podemos subestimar.
Você chamou bem a atenção, para um ponto essencial, que é o ponto do Presidente
Lula no Brasil. O Brasil está hoje disposto a liderar uma determinada frente em
função do voluntarismo do Presidente Lula, e, do que ele significa enquanto
líder, não apenas no plano Brasileiro, mas no plano internacional, que
Presidentes anteriores do Brasil não estavam disponíveis. Portanto, vai haver
negociações muito complicadas, porque os Países mais subdesenvolvidos podem
entrar numa estratégia de tudo ou nada: não dão na agricultura, não há evolução
noutros níveis. Como é que se dá a volta a este texto? Como sempre se dá a
volta ao texto nas Relações Internacionais: barafusta-se, barafusta-se, mas
depois há sempre uma solução qualquer, em que cada um cede um pedaço e se
arranja uma solução. Agora que isto vai ser complicado, vai, do lado de lá e do
lado de cá. E, um bloco forte de Países do terceiro Mundo quase que um
ressuscitar do movimento dos não alinhados, liderado desta vez, não por Nasser
ou pelo Tito, mas pelo Lula da Silva, pode ser uma situação complicada do ponto
de vista da gestão do sistema económico internacional.
Última questão e já agora, também tiro dez segundos dos minutos que já
não tenho, para fazer um comentário, só para dizer que eu só acredito nos
elogios que você faz ao Carlos, e às palavras simpáticas que me dirigiu a mim
também, porque isto é uma Universidade onde não há classificações... (RISOS)
...não passam, nem chumbam, se a Universidade fosse de passar ou de chumbar,
julgaria que os seus elogios eram motivados por outra razão, assim acredito que
são genuínos... (RISOS, PALMAS).
Agora quanto à sua pergunta, deixe-me utilizar outra vez a questão da
Saúde, nós tivemos por exemplo no ano passado, infelizmente parece que vamos
ter outra vez este ano, a questão do síndroma respiratório agudo. A melhor
maneira em todos os domínios de evitar estes problemas é preveni-los, seja no
síndroma respiratório agudo, seja no ponto de vista da erupção dos radicalismos
políticos, a melhor maneira de resolver os problemas é preveni-los, portanto, é
evidente, não tenho a mínima dúvida em dizer que há no problema Palestiano, por
exemplo, uma parcela do problema que é motivada por uma estrutural luminosidade
histórica e religiosa, entre os Países Árabes e Israel, mas também não tenho a
mais pequena dúvida, que se na Palestina se vivesse como se vive em Portugal, os
problemas do radicalismo Islâmico não eram os que são, é tão simples como isto.
Dou-vos um exemplo que conhecem do ponto de vista da estruturação das
sociedades modernas, e, do ponto de vista da relevância política das diferentes
forças, porque é que é
em todos os Países da Europa os Partidos Comunistas
estão
em
declínio? Porque os Partidos Comunistas encontravam sempre a
sua base de apoio entre as classes mais desprotegidas, que viam no radicalismo
político dos Partidos Comunistas, uma forma de conquistar poder para si e tirar
daí vantagens. À medida que vamos assistindo a uma melhoria das condições de
vida, nós assistimos a uma centralização da vida política, não se ganham
eleições nos extremos, ganham-se eleições ao centro, não se faz política com
discursos ideológicos extremados, tivemos ocasião de ver um discurso desses
este domingo mas aquilo “não dá a bota com a perdigota”, aquilo tem sentido
para uns milhares de pessoas, mas para a maior parte das pessoas aquilo já não
entra, isso é uma coisa que os Comunistas Portugueses ainda não perceberam. Mas
eu percebo que os Comunistas vivem numa angústia, se têm discursos daqueles
ficam com o seu “gueto” mas tem apoio, mas se mudam o discurso não há razão
para votar neles nem para os apoiar.
Portanto, tal como a experiência das sociedades demonstrou que a melhoria
das condições de vida é a melhor maneira de combater os radicalismos e de
pacificar as sociedades, subsistem outros factores. A Inglaterra é uma
sociedade próspera ou a Irlanda, e, têm problemas causados por outras razões de
natureza religiosa que têm a ver com a Irlanda do Norte. Também não vou ao
ponto de dizer que o fundamentalismo Islâmico acabava e os Islâmicos, os
Israelitas e os Judeus se passavam a dar bem, só porque toda a gente passava a
viver bem, não, porque há outros factores que são subjacentes ao litígio. Mas
não tenho a mais pequena dúvida que se houvesse uma política diferente de
auxílio à reconstrução económica desses Países, isso evitaria os problemas “ab
ovo”, do “ovo” no início, aí acho que os Países Ocidentais têm tido alguma
miopia e, não é só aí, é
em
todo o Mundo e, não é por não terem dado dinheiro, é porque
muitas vezes permitiram que o dinheiro fosse mal gasto, porque dar dinheiro
dão, mas depois também apoiam ditadores que em vez de utilizarem o dinheiro no
bem estar das populações desviam para as suas contas pessoais... (PALMAS)
...depois vêm dizer com aquele ar seráfico: “bom como a França diz, pois, de
facto, o Bokassa não era flor que se cheirasse... (RISOS) ...ou vêm, como
vieram agora os Ingleses dizer, bom a gente não devia ter apoiado o Idi Amin”,
mas apoiaram, e, em determinados momentos, acho que em particular nessas
questões que têm a ver com África, muitas vezes a Europa ainda não se curou de
um certo complexo colonial, acha que como foram antigas colónias não pode dizer
nada, porque se disser é uma ingerência inadmissível nos assuntos internos dos
Estados.
Há um problema, que é um problema que eu não tenho tempo para
desenvolver, mas com o qual queria fechar as minhas intervenções, que é este:
não há coisa pior para perder a credibilidade do que o “double standard”, do
que o duplo critério perante a mesma circunstância. Isso é uma das coisas que
dá cabo do Direito Internacional, nuns casos porque dá jeito faz-se, noutros
casos porque não dá jeito não se faz. Ou temos uma política de princípios e
valores, ou não temos, porque a única que a longo prazo rende é a de princípios
e valores, a outra pode render a curto e médio prazo, mas nunca rende a longo
prazo. Como se viu no caso da União Soviética, nós nunca prescindimos dos
nossos princípios e valores e ganhámos. O problema do “double standard” é um
problema complicado, porque depois nós não podemos dizer: “vamos fazer guerra
ao Saddam Hussein e tirá-lo, porque é um ditador terrível”, mas depois fechamos
os olhos a ditadores, porque gerem politicamente ou gerem estrategicamente e
nos dão jeito, porque nos permitem ter lá umas bases que nos são favoráveis. Ou
arranjamos uma política coerente, ou então, estamos a criar condições não para
resolver os problemas, mas eventualmente até para agravar algumas das situações
mais delicadas como é o caso deste tipo de circunstâncias. Temos que ter a
noção que temos que resolver o problema na origem, temos que dar dinheiro,
porque se não dermos dinheiro não há maneira de resolver os problemas, mas
temos que ter a coragem de dizer: “não damos dinheiro se o Senhor ficar no
poder. Temos que ter a coragem de impor condições, se não o fizermos estamos a
criar condições não para resolver os problemas, mas eventualmente para agravar
certo tipo de problemas, porque volto àquilo que disse durante a minha
intervenção, não é por acaso que não há radicalismos Islâmicos na Arábia
Saudita, portanto, costumo sempre dizer “é prosaico, mas é verdadeiro”, as
pessoas quando têm a barriga cheia e a vida realizada não se preocupam com
certas coisas.
Deixem-me ser poético para acabar a minha intervenção: a existência
humana tem a ver com a perseguição da felicidade, nós andamos cá para sermos
felizes, se formos felizes não estamos chateados com uma série de coisas. Se
conseguirmos garantir a um conjunto de pessoas, um conjunto de condições, não
resolvemos todos os problemas, que há problemas que não estão dependentes
dessas questões, o planeta nunca será o paraíso, nem nós nunca seremos uns
anjinhos com um ar contentinho, sempre a darmo-nos bem uns com os outros, nunca
será assim, é da índole humana a conflitualidade e a afirmação de interesses
contraditórios, mas se formos capazes de resolver os problemas económicos,
estaremos a resolver pelo menos dois terços dos problemas na sua origem,
estaremos a contribuir para a criação dum Mundo muito mais organizado e muito
mais pacífico do que aquele que existe hoje.
Por aqui me fico. (PALMAS)
Carlos Coelho
Agradeço em nosso nome ao Doutor José Correia a sua intervenção, vou
acompanhá-lo agora à saída, pedia ao Helder para se juntar aqui ao Jorge Nuno,
para as últimas acções antes da interrupção dos Trabalhos.
Jorge Nuno Sá
Pedia-vos só alguma atenção para um facto antes de começarmos as
votações, não sei se me ouvem bem, foi-vos distribuída a avaliação secreta, da
votação secreta, onde a última pergunta é sobre os suportes, como os suportes
desta intervenção ainda não foram distribuídos, pedia-vos que só votassem mais
tarde, porque... isto foi alertado pelo
Carlos Coelho no princípio
da intervenção, portanto, imagino que se alguém quiser reconsiderar o seu voto
na avaliação do tema sobre “Os Suportes”, que já o tenha feito antes de ter os
próprios suportes, o possa fazer dirigindo-se à organização e pedindo um novo
boletim de voto.
Vamos então começar a votação por filas. A primeira fila por favor, já
está? Dê-me sinal. Segunda fila por favor.
Agradecia que não baixassem enquanto quem está a contar não desse
indicação disso, porque se não é muito complicado.
Quarta fila por favor. Última fila, agradecia aos que estão nas cadeiras
de trás que também votassem com a última fila. Bruno o teu boletim não está
visível.
Muito obrigado. Penso que ontem foi aprovada uma Moção também na Sessão
de Trabalho, relativamente ao almoço que temos que cumprir hoje, portanto,
levando o
Carlos Coelho
a almoçar sem qualquer hesitação... (PALMAS) ...como está previsto à uma hora
será servido o Buffet, até já.