Liçoes do e
Video Ambiente
Portal do Cidadão
 
 
3º TEMA

3º tema

Não Estamos sós no mundo

10. Setembro. 2003

(Textos não revistos pelos oradores. Quaisquer erros são atribuídos à transcrição não revista das cassetes)

Carlos Coelho

Gostaria de começar por dar as boas vindas ao Professor Matos Correia, que tem uma larga experiência de docência universitária e que é nosso companheiro. Foi Chefe de Gabinete do Primeiro-Ministro Durão Barroso, é Deputado do PSD e foi Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD. Engrossa aquele número de pessoas que ontem vos falei, que são pessoas discretas mas muito inteligentes e muito sabedoras e agradecemos o facto de ter aceite o nosso convite para nos falar deste tema “Não estamos sós no mundo”. Parece uma evidência mas tem consequências significativas ao nível da relação entre os Estados e na regulação da vida internacional.

O Dr. José Matos Correia tem como hobby ler, a comida preferida é o cozido à portuguesa, também partilhada por outras das personalidades que já estiveram e vão estar connosco ao longo desta semana. O animal preferido é o gato, não o cão que recolhe a maior parte das respostas. Se fizermos jus à ideia de que são inimigos fidegais, temos aqui um protector dos animais que são perseguidos pelos preferidos da maioria. O livro que sugere é muito significativo, um romance de Camilo Castelo Branco que muitos deviam ler, "A Queda de um Anjo" e o filme que sugere é o "2001 Odisseia no Espaço".

Dr. José Matos Correia muito obrigado por ter aceite o nosso convite e a palavra é sua.

José Matos Correia – (Deputado à Assembleia da República)

Muito bom dia.

Queria, em primeiro lugar, dar-vos conta de o imenso prazer que tenho em aqui estar, por razões de ordem vária, desde logo porque se trata duma organização do Partido Social Democrata, a que pertenço e do meu querido amigo Carlos Coelho, mas também porque se trata de uma universidade e ainda que uma universidade com carácter diferente, é sempre para mim honroso participar neste género de actividades, visto que sou, como todos sabem, professor universitário.

O Carlos Coelho excedeu-se, evidentemente, nas referências que fez a meu propósito e nos elogios que entendeu contemplar-me e, portanto, queria em primeiro lugar dizer-vos para não estarem à espera de coisas tão importantes ou interessantes como a simpática introdução do Carlos Coelho pareceria poder indicar.

O tema que me pediram para abordar, "Não estamos sós no mundo", dividia-se depois na indicação que me deram, num conjunto de sub-temas: Demografia, tensões internacionais, linhas de evolução internacional, blocos económicos, economia política, organismos internacionais de regulação, princípios das relações internacionais e da política externa portuguesa. Trata-se de um conjunto de questões que nem num curso inteiro de Relações Internacionais, quanto mais em 45 minutos, e, portanto, e deixando algumas coisas que julgo podem ser interessantes desenvolver para a fase das perguntas e respostas, eu tentei encontrar uma maneira de agrupar estes diferentes temas, estas diferentes questões e fazê-lo à volta de um conjunto de ideias essenciais.

Tentando reflectir um pouco sobre a característica do mundo hoje em dia, a característica do sistema internacional tal como ele hoje existe e nesta perspectiva tentando indicar 3 ideias essenciais, dentro das quais eu pudesse fazer, ainda que de uma forma relativamente breve, alusão a estes múltiplos aspectos que me pediram para abordar no contexto deste tema. E essas 3 ideias fundamentais, esses 3 conceitos fundamentais resultam, a meu ver, de uma análise minimamente próxima daquilo que é hoje a realidade do sistema internacional. Não é fácil, hoje em dia, termos ideias muito claras ou ideias muito definidas sobre o que é o sistema internacional e como é que ele funciona. Vivemos ainda um conjunto de realidades que são difíceis de conceptualizar. Vivemos desde 1989 num sistema que está sistematicamente e está sempre à procura de uma forma de se organizar, de uma forma de se estruturar, de uma forma de encontrar a estabilidade que começou durante muito tempo, mas a verdade é que isso é sempre adiado, porque com a queda do muro de Berlim aconteceram coisas, com o final da União Soviética aconteceram coisas, mais recentemente com o 11 de Setembro aconteceram coisas, mais recentemente ainda com a invasão do Iraque e com a profunda divergência entre os Estados Unidos e a Europa, que essa mesma invasão gerou, assistimos também a desenvolvimentos novos. Portanto, não é simples nós estarmos à procura do caminho. Estamos a tactear novas vias, ao contrário do que aconteceu durante muito tempo em que as coisas eram relativamente claras. Mas, dizia eu, tentando transmitir um pouco quais seriam os conceitos essenciais neste contexto, eu organizei a minha exposição à volta de 3 ideias essenciais, que tentam retratar esta diversidade e este carácter evolutivo do sistema internacional actual. E essas 3 ideias são as seguintes:

A instabilidade em primeiro lugar, a interligação em segundo lugar, globalização em terceiro lugar. Ou seja, nós hoje olhamos para um sistema internacional que é simultaneamente instável, em que há uma profunda ligação entre todas as partes que nele participam e em que há um fenómeno novo, de que todos falam, sobre o qual muito se diz mas que muitas vezes não se tem a noção clara de quais são as suas consequências, que é o conceito de globalização. E, portanto, são estas 3 ideias que eu vou tentar transmitir-vos ou o entendimento que tenho sobre as quais vou tentar transmitir-vos, ao mesmo tempo ensaiando a tal integração das diferentes questões que me pediram para abordar dentro destas 3 ideias fundamentais.

Primeiro ponto, a questão da instabilidade. Não é preciso ser um especialista em política internacional para olhar para o sistema internacional e ver que o sistema internacional é marcado, de facto, por uma profunda instabilidade, ao contrário do que aconteceu até 1989. Até 1989 e dentro daquilo que ficou conhecido pelo sistema bipolar, em que dum lado estavam os Estados Unidos com os seus aliados, do outro lado a União Soviética com os seus aliados. Até 1989 havia um certo paradoxo, o sistema internacional era um sistema perigoso, claramente, sempre à beira de um conflito entre as duas super potências, mas era ao mesmo tempo um sistema previsível, havia os bons e os maus, nós éramos os bons os outros eram os maus e as coisas eram relativamente expectáveis. Há um célebre sociólogo e politólogo francês chamado Raymond Arond que numa só frase caracterizou bem a realidade que se viveu durante o período da Guerra Fria e a frase é muito célebre e diz: "Paz impossível, guerra improvável". Ou seja, o sistema internacional era um sistema em que a oposição entre os dois blocos tornava por natureza impossível uma situação de paz, quanto muito possibilitava uma situação de co-existência mas ao mesmo tempo se a paz não era possível a guerra era altamente improvável, porque tendo em conta a posse maciça de armas nucleares por parte de ambos os blocos, em particular da União Soviética e dos Estados Unidos, o início de um conflito era praticamente impossível porque um conflito entre as duas super potências significaria necessariamente o extermínio da Humanidade. E, portanto, vivíamos uma situação paradoxal em que se por um lado a oposição em todos os planos, ideológico, político, económico, etc. entre os Estados Unidos e a União Soviética tornavam a paz impossível. Ao mesmo tempo, a própria circunstância da posse maciça de armas nucleares por parte de ambos os blocos tornava a guerra altamente improvável.

Com a queda do muro de Berlim, e com as consequências dessa mesma queda e com todos os elementos que conhecem, nós passámos a viver uma circunstância diferente. A queda do muro de Berlim significou o fim de uma guerra, não uma guerra quente como foi a guerra de 14-18 e a guerra de 39-45 mas uma guerra fria. Uma guerra que não chegou a sê-lo em termos do conflito entre as duas partes mais relevantes, mas em que tudo o resto era, de facto, um conflito. O final da Guerra Fria significou objectivamente o triunfo de uma determinada visão do mundo, a dos Estados Unidos e a dos seus aliados e a derrota de uma outra visão do mundo, da União Soviética e dos seus aliados. Ora isso significou, se quiserem, uma rendição da União Soviética e dos países comunistas, na sua esmagadora maioria pelo menos, àquilo que são os valores da democracia, do liberalismo, do capitalismo, etc., e isso tem, como sabem, desenvolvimentos significativos até relativamente recentes. Nós tínhamos determinadas organizações que simbolizavam a divisão do mundo, como a NATO ou mesmo a União Europeia e nós vemos hoje aqueles que eram os arqui-inimigos do que significava o processo de integração europeia ou do que significava a NATO a pedirem a adesão a essas organizações e a entrarem para elas. E, portanto, na prática o final da Guerra Fria traduziu uma rendição de uma das partes e a adesão não obrigada mas voluntária dessa parte às convicções e aos valores da outra parte. E, portanto, nós desde 1989, 90, 91, (a União Soviética acabou em 25 de Dezembro de 91), temos uma situação em que, sobretudo na Europa mas não só, se nota que há uma adesão a princípios e a valores e há uma comunhão desses princípios e valores que dantes não havia. Temos um sistema mais democrático, mais livre, em que há um conjunto de valores que são partilhados, mas ao mesmo tempo, e por paradoxal que isso possa parecer, um sistema que se tornou mais imprevisível. Há um conhecido especialista em Relações Internacionais francês, chamado Pierre Hassner que tentou adaptar a definição do Aron da Guerra Fria às circunstâncias pós Guerra Fria e diz Azner: "A paz é hoje mais possível mas a guerra também é mais provável." Se durante o período da Guerra Fria a paz era impossível mas a guerra também era improvável, hoje em dia a paz é menos impossível, é mais fácil fazer o entendimento entre Estados e isso é notório no entendimento entre as principais potências, anteriormente adversárias, os Estados Unidos e a Rússia mas ao mesmo tempo a guerra tornou-se também mais provável. E tornou-se não apenas mais provável como mais real, porquê? Porque o sistema da Guerra Fria funcionava de acordo com uma lógica de áreas de influência, cada país, cada super potência tinha a sua própria área de influência. SE me permitem a comparação é um bocadinho o que existe entre os pais e os filhos, quer dizer, os filhos têm autonomia até onde os pais deixam. O que se passava no contexto da Guerra Fria era um bocadinho isto, os Estados tinham autonomia até ao limite que lhes era permitido pelo seu líder. Há certo tipo de desenvolvimentos que ocorreram depois do final da Guerra Fria e que teriam sido impensáveis no contexto da Guerra Fria. No contexto da Guerra Fria o Iraque nunca teria invadido o Koweit, no contexto da Guerra Fria nunca teria havido a guerra da Jugoslávia, e, portanto, a democratização do sistema internacional gerada pelo final da Guerra Fria gera ao mesmo tempo um crescendo de autonomia de certos Estados que vêem nesse crescendo de autonomia uma espécie de "window of oportunity" para fazer aquilo que nunca puderam fazer. Ou seja, a guerra, de facto, tornou-se uma realidade mais provável. A guerra da Jugoslávia nunca teria existido enquanto a Jugoslávia foi como era um país autoritário. O Iraque nunca teria tido autorização, entre aspas, para invadir o Koweit nos termos em que o fez, porque tinha a noção clara que a sua margem de autonomia não permitiria fazê-lo, tal como foi autorizado, entre aspas uma vez mais, a invadir o Irão porque o Irão representava um perigo, e, portanto, foi-lhe permitido que o fizesse, nunca poderia ter feito o que fez relativamente ao Koweit porque tinha a noção clara que isso ultrapassava a sua margem de autonomia tolerada.

A Europa, reparem que a Europa viveu 40 e tal anos à beira de um conflito, durante o período da Guerra Fria, mas nunca o conheceu e foi preciso acabar a circunstância em que a Europa esteve sempre à beira do abismo para que finalmente a Europa conhecesse a guerra, com o que se passou em particular na Jugoslávia.

Se quiserem fazer uma comparação, nós até 1989 tínhamos uma circunstância em que sabíamos quem é que nos podia atacar e em que circunstâncias é que isso podia acontecer. Desde 1989, 90, 91 nós temos uma circunstância em que as coisas já não são previsíveis dessa forma. Eu costumo sempre dar o exemplo de que um dos aspectos mais simbólicos do final da Guerra Fria é que até o "James Bond" teve que se reconverter, até ao final da Guerra Fria o adversário do "James Bond" era sempre a União Soviética, a partir do final da Guerra Fria até há filmes em que o aliado do "James Bond" é a União Soviética. E nesse simbolismo cinematográfico, de facto, traduz-se aquilo que é uma alteração profunda da política internacional verificada no final dos anos 80 e no início dos anos 90. Mas nós hoje vivemos circunstâncias ainda mais complicadas e que têm que ver, como tivemos infelizmente oportunidade de presenciar, com novos tipos de ameaças de que o exemplo mais acabado tem que ver com uma data na qual amanhã passam 2 anos, o 11 de Setembro. O que se passou no 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque era impensável no contexto da Guerra Fria, o que significa que o final da Guerra Fria também permitiu outros tipos de desenvolvimento e a proliferação de outros tipos de ameaça, que têm hoje um papel cada vez mais relevante no sistema internacional. Não há dúvida que há uma alteração, por exemplo, da estratégia norte-americana que tem em grande parte a ver com a leitura que os Estados Unidos fizeram do 11 de Setembro e das suas consequências para a segurança nacional norte-americana. A última vez que o território norte-americano tinha sido atacado foi em 1941 em Pearl Harbour e Pearl Harbour não é propriamente nos Estados Unidos. Os Estados Unidos não conhecem uma guerra porque, de facto, aquilo que se passou no 11 de Setembro é um acto de guerra, embora perpetrado não por um Estado mas por uma organização terrorista, em que morreram milhares de pessoas e é um acontecimento que os Estados Unidos não conheciam no seu território há séculos. O que significa também, a meu ver, um outro aspecto em termos analíticos, é que se até 89 nós tínhamos um inimigo que sabíamos quem era e identificávamos com clareza, porque tinha existência física, eu costumo dizer que até 1989 nós sabíamos quem era o ladrão que nos podia assaltar a casa. A partir do 11 de Setembro, em particular, já houve preparações anteriores, como é óbvio, mas o 11 de Setembro é um marco simbólico e o simbolismo aqui é relevante, nós em vez de termos um ladrão detectável temos uma espécie de um vírus que é sempre muito mais difícil de prevenir, muito mais difícil de identificar, muito mais difícil de tratar e muito mais insidioso.

Ora, calculando que isto para um país como os Estados Unidos é complicado, porque os Estados Unidos são a única super potência que resta e habituados a gerir uma determinada situação em que têm um inimigo que identifiquem claramente, que sabem quais são as possibilidades e que sabem como lidar com ele.

A questão do terrorismo é muito mais difícil de identificar e é muito mais difícil de resolver, mesmo para uma potência como os Estados Unidos da América invadir o Afeganistão e derrotar o Afeganistão é fácil mas já não é fácil descobrir a "AL QUAEDA" destrui-la ou prender o seu líder.

Ora, nós temos, portanto, uma instabilidade no sistema internacional que é devida aos próprios acontecimentos que têm caracterizado esse sistema, a morte de um determinado sistema é a tentativa de procura do outro. Mas isto tem que ver, também, com um problema a que eu poderia chamar a falta de modelo de organização, como eu dizia há pouco nós tivemos até 1989 um sistema de organização da política internacional que era claro, bipolar, por um lado os Estados Unidos e os seus aliados e do outro lado a União Soviética e os seus aliados, e, a gestão do sistema internacional fez-se à volta desta bipolaridade, sabia-se quem é que mandava de ambos os lados. E, portanto, podia-se saber o que é que cada um ia fazer e com quem é que se havia de combinar o que havia a decidir. Com a queda do muro de Berlim no final da Guerra Fria nós estamos ainda à procura, ao fim de 12 anos ou 13, de um modelo de organização do sistema. A única certeza que nós temos é que o sistema internacional não é nem vai ser um sistema bipolar, porque há de um lado uma super potência, os Estados Unidos da América e do outro lado não há nada, e, portanto, é impossível organizar o sistema internacional à volta do mesmo princípio que o caracterizou entre 1945 e 1989/90. Agora há duas possibilidades de evolução: Uma possibilidade de evolução no sentido da unipolaridade, em que os Estados Unidos se afirmam com a capacidade e com a vontade de ser a única potência que manda e temos a possibilidade de evoluir para a multipolaridade. Nos últimos 10 anos, já houve manifestações de ambas as evoluções possíveis. Quando ocorre a primeira guerra no Koweit, a primeira guerra no Iraque por causa da invasão do Koweit em 90/91 há uma clara aposta no multilateralismo, o pai Bush, ao contrário do filho, entendeu que a melhor maneira de conduzir o processo seria através de entendimentos multilaterais sufragados pelas Nações Unidas, porque tinha uma leitura diferente mas nós, como dizia o Ortega Y Gasset, somos nós e as nossas circunstâncias. O pai Bush tinha sido representante dos Estados Unidos junto das Nações Unidas e valoraria, porventura, o papel das Nações Unidas de uma forma diferente daquilo que acontece com o filho. Mesmo o filho Bush só aposta numa lógica claramente unipolar depois do 11 de Setembro, porque no início a administração Bush é relativamente hesitante sobre o caminho a seguir em matéria de política externa.

Isto significa, dizia eu, que temos aqui um outro elemento importante de instabilidade, é que nós olhamos para o sistema não tem um modo de gestão claro, e, isso leva a isto que nós temos vindo a assistir, nomeadamente no que diz respeito à questão da relação entre os Estados Unidos e a Europa.

Este aspecto da relação entre os Estados Unidos e a Europa é um aspecto fundamental porque a relação transatlântica tem sido ao longo dos anos o elo fundamental de garantia de estabilidade do sistema internacional. Se é posta em causa a relação transatlântica, por vontade de afirmação de poder dos Estados Unidos ou por vontade de autonomização da Europa face aos Estados Unidos no que diz respeito à sua segurança e defesa, a verdade é que neste momento está a ser posta em causa aquilo que foi, durante 50 anos, o elemento essencial de defesa não só da Europa mas de garantia da estabilidade do sistema internacional e isso acresce a instabilidade do sistema como nós tivemos ocasião de ver recentemente. E, portanto, há aqui um conjunto de elementos que têm que ver com todos estes aspectos, que vos referi, que contribuem para a afirmação deste aspecto que eu acho essencial na caracterização do sistema internacional actual, que é o problema da instabilidade.

Segundo aspecto: Segundo a ideia que vos referi no início, a ideia de interligação. É hábito ouvir-se muito falar num outro conceito, que é o conceito de interdependência, eu não gosto particularmente de aplicar o conceito de interdependência até porque a interdependência tem sobretudo que ver com questões económicas, e, portanto, eu prefiro a expressão interligação, que no fundo é a tradução da expressão inglesa "linkged", para traduzir a ideia de que a evolução que nós temos vindo a assistir nos últimos anos traduz também uma profunda alteração dos mecanismos de relação entre todos os aspectos da política internacional. Nós habituámo-nos a ver durante muito tempo, (nós habituámo-nos, mais eu do que vocês porque apesar de tudo tenho mais uns anitos), habituámo-nos a raciocinar no período da Guerra Fria numa lógica de alguma estanquicidade, que era possível tratar de certos assuntos e resolver certos problemas sem que isso tivesse consequências noutros domínios. Nós hoje temos um mundo que não funciona com base numa lógica de estanquicidade ou de separação mas, se quiserem utilizar uma expressão da hidráulica, funciona através de um sistema de vasos comunicantes. E nós temos que ter a noção que uma determinada decisão, tomada por um determinado país numa determinada matéria arrasta consequências noutras áreas do mundo e noutras circunstâncias. E dou-vos vários exemplos para perceberem o meu raciocínio:

Não é por acaso que o Presidente Bush quando decide intervir militarmente agora no Iraque começa a fazer o discurso da resolução da crise do Médio-Oriente e não é por acaso que quando o conflito no Iraque acaba a administração Bush apresenta um "Foad map" para o Iraque, porque a administração Bush percebeu que a intervenção militar no Iraque iria trazer grande impopularidade no contexto dos países Árabes e nos países islâmicos em particular e que uma maneira de compensar essa circunstância seria contribuir activamente para a resolução do problema do Médio-Oriente, porque é evidente, todos o sabemos, que a instabilidade no Médio-Oriente, que infelizmente se tem vindo a agravar nos últimos dias, é um dos aspectos essenciais que reconduziu ao ressurgimento do fundamentalismo islâmico ou do radicalismo islâmico.

Por exemplo, pegando numa das questões que constava do meu caderno de encargos, o problema da demografia:

As extensões demográficas, enfim que dão origem ao que nós hoje chamamos as migrações, aos movimentos migratórios, que são, indiscutivelmente, uma das mais realidades e das mais difíceis de resolver no contexto da realidade actual, são provocados normalmente porquê? Por deficientes condições económicas nos países de origem. É verdade que há refugiados por outras razões mas, normalmente, a grande maioria dos refugiados tem que ver com o problema da busca de uma existência melhor, dou-vos um exemplo: As pessoas que fogem de Cuba mais do que fugir de um regime político com o qual discordam, fogem da miséria em que vivem. As pessoas preocupam-se primeiro com resolver os seus problemas pessoais antes de se preocuparem com as suas convicções políticas, e, portanto, a grande maioria das migrações tem que ver com o problema da busca de melhores condições de existência. O que significa que enquanto nós não formos capazes de resolver os problemas económicos que afectam os países do terceiro mundo, não somos capazes de pôr fim aos movimentos migratórios. Só que os movimentos migratórios fazem-se para onde? Sempre para os mesmos países, provocando consequências relevantíssimas do ponto de vista das tensões sociais, das tensões económicas e das tensões políticas nos países de acolhimento. E, portanto, como estão a ver há aqui um conjunto de questões que são relacionadas, instabilidade/atraso económico nos países do terceiro mundo, movimentos migratórios para os países ricos, circunstâncias difíceis de gerir do ponto de vista social, económico e político e tensões no interior das sociedades dos países ricos provocadas por este tipo de situações.

Por exemplos destes, e poder-vos-ia multiplicá-los, é que hoje em dia é difícil dizer onde é que começam e onde acabam as diferentes questões, não é fácil identificar um problema e dizer o problema não se deve só a isto e resolve-se desta maneira, porque os problemas estão ligados entre si. Hoje em dia nós, e nos últimos anos temos assistido ao ressurgimento do radicalismo islâmico, eu prefiro a expressão radicalismo do que fundamentalismo porque a Arábia Saudita é o mais fundamentalista dos países Árabes, e, no entanto, é fundamentalista do ponto de vista religioso e isso não se traduz num comportamento radical do ponto de vista político. Aquilo que o HAMMAS, por exemplo, significa mais do que o fundamentalismo é o radicalismo islâmico como meio de acção político.

O radicalismo islâmico explora basicamente o quê? O sentimento anti-semita, anti-israelita, anti-judaico que, evidentemente, alarga aos seus aliados, aos Estados Unidos e todos os países que estejam ao lado de Israel. Mas não é por acaso que o radicalismo islâmico se desenvolve, sobretudo, nas zonas que são economicamente pobres, quer dizer, nós temos movimentos radicais islâmicos na Palestina por razões óbvias, nós temos movimentos radicais islâmicos na Indonésia, no Sudão, no Iraque, mas no Iraque das sanções. O Iraque até 1990 não era um país fundamentalista, era pelo contrário um país laico. O Saddam Hussein só começa a falar no Islão como forma de se justificar pela intervenção no Koweit. Não é por acaso que o Iraque é dos poucos países onde os cristãos eram tolerados e aceites, justamente porque não era um país fundamentalista islâmico. Mais exemplos: ------ O Sudão, certas zonas da Nigéria, Marrocos, a Argélia, a Tunísia, são normalmente países em que os cidadãos se vêem confrontados com gravíssimos problemas de sobrevivência, e nós sabemos que os radicalismos encontram sempre um meio de cultura nas circunstâncias de dificuldade económica, basta irmos, por exemplo, ao que se passou na Europa durante o tempo do nazismo para perceber que uma das grandes razões que conduziu Hitler ao poder foi isso, de Mussolini dizia-se que tinha chegado ao poder porque tinha posto os comboios italianos a funcionar a horas. E, portanto, normalmente as situações de atraso estrutura, e, do ponto de vista económico, são meios de cultura para o radicalismo. Ao contrário não há radicalismo político islâmico na Arábia Saudita, nem nos Emiratos Árabes Unidos, nem no Qatar. E, portanto, tudo isto para vos dizer que há, de facto, aqui um conjunto de relações entre todos estes problemas que tornam o sistema internacional um bocadinho como aquela lógica do cobertor: Tapa-se a cabeça destapam-se os pés, tapam-se os pés destapa-se a cabeça, porque todas estas questões têm hoje que ser analisadas duma forma muito mais complexa, é um pouco como um jogo de xadrez, quais são as consequências no tabuleiro da minha decisão de mexer numa determinada peça.

E tudo isto depois nos leva a um conceito, à terceira ideia que vos tinha referido, que é a ideia, enfim, de uma realidade que nós todos os dias referimos, que é o problema da globalização. Nós estamos perante um sistema internacional instável, um sistema internacional marcado por uma profunda ligação entre todos os aspectos que o caracterizam e, portanto, estamos perante um sistema internacional caracterizado pela ideia da globalização. A globalização é uma..., a utilização do vocábulo "globalização" é relativamente recente, mas isso tem que ver um bocadinho com os entusiasmos de começar a falar em coisas que achamos que são novas mas não o são, a globalização a que nós estamos a assistir é uma globalização com um certo tipo de características, uma globalização extremamente rápida, difícil de gerir mas não é a primeira. Nós já assistimos noutros momentos da História da Humanidade a processos de globalização. A primeira globalização deve-se a Portugal, como é óbvio! Os Descobrimentos Portugueses deram origem à primeira globalização conhecida na História da Humanidade.

Hoje estamos perante uma globalização com velocidade e contornos distintos porque recorre a métodos, que são também eles diferentes. Nós às vezes insistimos ou vemos insistir muito nos aspectos económicos da globalização e ligamos muito a globalização à livre circulação de bens, de serviços, de capitais, de dinheiro, da finança, etc., mas a globalização tem muito mais do que isso. A globalização tem que ver com coisas que nós não conhecíamos no nosso dia-a-dia há 10 anos atrás mas hoje são parte essencial da nossa existência. A Internet, por exemplo, é o elemento mais relevante da globalização no dia-a-dia das pessoas. A globalização não tem que ver com empresas que têm acções cotadas na bolsa de Hong-Kong e outras cotadas na bolsa de Lisboa ou a possibilidade que eu tenho de jogar na bolsa 24 horas por dia por causa da diferença horária. A globalização tem consequências profundas no nosso dia-a-dia, embora nós muitas vezes não tenhamos a noção dessas mesmas consequências. A Internet é um caso evidente. Vocês hoje podem, sobre qualquer tema, sobre o tema que estamos hoje aqui a abordar, clicar um “www qualquer coisa” e encontrar milhares de informações, às vezes há informação a mais e o nosso problema hoje é um excesso de informação, selecção de informação, e não a ausência dela. Pegando numa frase muito utilizada numa campanha publicitária, eu podia dizer que eu ainda sou do tempo em que nós íamos tirar umas fotocópias de uns livritos porque havia um livro numa biblioteca e nós não conseguimos ter acesso a ela. Hoje em dia o problema não é esse, não é a procura da biblioteca que tem o livro que nós precisamos, é o problema de saber como é que deitamos fora tudo aquilo que não precisamos, isto é uma consequência evidente da globalização.

A globalização tem que ver, também, com outro aspecto a que nós não prestamos importância suficiente: a uniformização da maneira de ser, de estar, de agir e de pensar. Há um exemplo claro disso: a McDonald’s. Em Castelo de Vide não há McDonald’s, presumo eu. É lamentável! (risos) … Não puderam satisfazer o vosso desejo de ir ao McDonald’s certamente. Mas, por exemplo, eu se entro numa loja da McDonald’s em Lisboa ou noutro sítio qualquer do mundo, as lojas são todas iguais em todos os sítios. Outro exemplo: os radicais islâmicos. Ainda ontem ouvi um responsável do HAMMAS a falar no telejornal, qual é o país que eles mais detestam? Os Estados Unidos da América! E qual é a língua que falam? O inglês! Mas isso também não é nada de extraordinário porque eu lembro-me sempre que os próprios extra-terrestres, nos filmes, falam sempre inglês, o que significa que não estamos, de facto, sós no mundo, como diz o tema da nossa conferência de hoje.

E, nós hoje temos, em função destas alterações todas um conjunto de circunstâncias que são novas e que são difíceis de gerir. Quando eu tinha menos do que a vossa idade não havia um produto espanhol nas prateleiras dos supermercados. Quando eu tinha a vossa idade, e eu não nasci propriamente em 1940, não havia coca-cola em Portugal, as pessoas que vieram de Moçambique eram conhecidas como as coca-cola porque em Moçambique havia coca-cola e em Portugal não, em Portugal Continental não havia. Nós íamos a Badajoz comprar caramelos e demorava-se não sei quantas horas a passar a fronteira para ir a Badajoz comprar caramelos. E se é certo que alguns destes aspectos têm que ver com uma questão específica a integração europeia, outros estão relacionadas com todo este processo de globalização, que faz com que, por exemplo, o poder mais importante que os Estados Unidos têm, nem sequer seja o poder militar ou o poder político. Do ponto de vista político ou politológico nós podemos dividir o poder de acordo com as formas como é exercido, em duas categorias: “Hard Power” e “Soft Power”. Os norte-americanos têm, evidentemente, muito “Hard Power”, basta olhar para o que gastam em despesas militares e para o que fazem do ponto de vista militar. São de facto o país que tem mais Hard Power” no mundo. Agora, os norte-americanos têm mais poder no mundo pelo “Soft Power” do que pelo “Hard Power”, porque nós hoje consumimos, pensamos, e falamos aquilo que os americanos determinam. Quer dizer, as calças de ganga são americanas. Quando normalmente se fala em ir estudar para uma universidade estrangeira, a primeira coisa que vem à ideia é ir estudar para uma universidade norte-americana. A esmagadora maioria dos prémios Nobel do mundo estão nas universidades americanas, não estão nas universidades europeias. E, portanto, nós hoje vivemos num mundo que é, de facto, criado à imagem e semelhança dos Estados Unidos da América e nós gostamos, o que é extraordinário, porque mesmo quando do ponto de vista político se verifica aquilo que o Jean Paul Revel chama a obsessão anti-americana, a verdade é que essa obsessão anti-americana se conjuga com a influência diária da cultura norte-americana. Isto deve-se a quê? À globalização. Nós hoje vamos à União Soviética, à Rússia e veremos provavelmente no centro de Moscovo uma loja da Kentucky Fried Chicken, não sei se será o caso mas deve haver certamente. Isto há 10 anos era impensável, e, portanto, isto não pode deixar de ter consequências, não apenas para os Estados mas também para a vida de cada um de nós.

Nós estamos a viver uma circunstância muito curiosa, certamente a partir de hoje teremos mais uma vez provas disso, porque começa em Cancun a reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da OMC, portanto deve haver mais umas manifestações folclóricas anti-globalização à porta da sala onde estiver a decorrer a reunião. Há muita gente que olha para a globalização como provavelmente o Velho do Restelo olhava para as caravelas que partiam para a Índia, com uma diferença é que as caravelas que iam para a Índia ainda podiam voltar para trás e a globalização não pode. Faz-me alguma confusão a discussão sobre se a globalização é boa ou má. Não é boa nem má: é! E não há nada a fazer contra ela. Lutar contra a globalização é a mesma coisa que o Dom Quixote de la Mancha a lutar contra os moinhos, quer dizer, não vale a pena, até porque nós gostamos da globalização, ela facilita-nos a vida, nós hoje temos a possibilidade de fazer um conjunto de coisas que não o faríamos se a globalização não tivesse ocorrido, portanto nós gostamos dela. Pelo menos enquanto consumidores.

Agora, como tudo na vida a globalização tem aspectos positivos e aspectos negativos. Não tantos como a vulgata anti-globalização normalmente quer fazer, crer mas tem realmente alguns aspectos negativos, nomeadamente face aos excessos que pode gerar se não for devidamente pilotada. Não é tão claro dizer-se, como muitas vezes se ouve dizer, que a globalização agrava o fosso que separa os países ricos dos países pobres, isso não é inteiramente verdade. A globalização agrava sobretudo o fosso entre aqueles que querem jogar o jogo da globalização e os que não querem, porque a verdade é que nós temos países relativamente atrasados que aceitaram jogar o jogo dos mercados abertos e da globalização e saíram-se bem. Basta olhar, aliás, para alguns países asiáticos, por exemplo, que partiram duma posição muito deficiente e são hoje países prósperos do ponto de vista económico. Agora, é óbvio que a existência de uma globalização desregulada tem consequências negativas e, sobretudo, e isso é que é preocupante, pode ter consequências graves ao nível, económico e político. E, portanto, o grande desafio hoje não é o desafio de voltar atrás no tempo porque isso não é possível, mas sim o de encontrar mecanismos de regulação política e económica para essa mesma globalização.

Deixem-me que vos dê um exemplo do que é um erro na forma de encarar as consequências da globalização. Lembram-se que há um ano e pouco houve uma grande celeuma em Portugal porque a “Clark”, uma empresa perfeitamente sólida, decidiu sair algures do Norte para ir para a República Checa. Não por necessidades de natureza financeira, não porque precisasse mas porque indo para um país da Europa Central ou do Leste dava ainda mais lucro. Isto tem alguma coisa de mal? Não. Se houve, porventura desrespeito, se foram dados subsídios para fazer alguma coisa dentro de um determinado prazo e se isso foi desrespeitado, se as condições contratuais tivessem sido desrespeitadas evidentemente haveria incorrecção na deslocalização. Agora, há uma empresa que cumpriu determinadas regras do jogo, está num determinado país, em certo momento verifica que ganharia com a mudança geográfica, é livre de mudar. Dirão uns que não pode ir porque não há empregos! Mas um empresário não existe para fazer política social, para fazer política social existem os governos. Um empresário desde que cumpra religiosamente as suas obrigações, se num determinado momento entende que a deslocalização da sua indústria lhe permitirá retirar lucros adicionais noutro sítio, vai. Isto é possível, hoje em dia, justamente por causa da globalização, porque a globalização transformou o mercado numa realidade aberta à escala planetária. Hoje em dia não são os Estados que dizem às empresas se podem vir ou não, são as empresas que escolhem os Estados. Nós temos essa noção hoje em Portugal, essa batalha nós temo-la por causa do alargamento e este governo tomou medidas justamente para tentar convencer as empresas que este sítio chamado Portugal é melhor que um sítio chamado República Checa, Polónia ou Eslováquia para investir. Mas nós temos que ter a noção que as regras do jogo estão inteiramente invertidas. Dantes os Estados tinham inúmeros pedidos de investimento estrangeiro e seleccionava-os de acordo com o seu interesse e davam-se ao luxo de dizer não a uma empresa. Hoje em dia quem está no mercado são os Estados não são as empresas, os Estados é que têm que ir ao mercado convencer as empresas para virem para o seu próprio território. Ainda a propósito da Clark houve, suponho, o líder de um pequeno partido da oposição chamado Bloco de Esquerda, que dizia: “Não senhor, o que o Governo Português tem que fazer é dizer que se a Clark se for embora a gente nacionaliza a empresa e prende o administrador”. Eu não consigo perceber como é que um político, ainda por cima alguém que é doutorado em Economia, diz uma coisa destas. Porque no dia em que o Governo Português nacionalizasse ou interviesse de qualquer forma numa empresa privada, não só não vinha mais nenhum investimento estrangeiro para Portugal como o que cá estava ia se embora, isto é a incapacidade típica de entender como é que a globalização se joga. A globalização joga-se como nós jogamos, por exemplo, na procura de um emprego. Na procura de um emprego tenho que demonstrar a quem me quer empregar que eu sou melhor que o outro. A globalização joga-se assim, o Estado tem que demonstrar a quem quer investir que tem todas as condições económicas, políticas, sociais, de estabilidade, etc. adequadas para que o investimento possa ter lugar aí. A globalização não se resolve por exercícios bacocos de soberania, nós temos que perceber que a globalização dilui a soberania do Estado e isso tem consequências negativas. O Estado não tem controlo como tinha anteriormente, as redes transnacionais de criminalidade estão hoje muito mais à vontade do que estavam, é muito mais difícil combatê-las, os movimentos financeiros de lavagem de dinheiros são muito mais fáceis de fazer e muito mais difíceis de controlar do que eram dantes. Hoje a soberania do Estado dilui-se um pouco como, para vos dar uma imagem, a areia nos cai das mãos quando estamos na praia e hoje nós temos que perceber que isto é assim e que não vale a pena ensaiar, como eu dizia, exercícios bacocos de autoridade soberana, que não têm consequência nenhuma, a não ser eventualmente consequências negativas.

Agora, nós temos que ter mecanismos de regulação? Temos. E esses mecanismos de regulação têm que existir no plano político? Têm. E tem existir no plano económico? Têm. Mas são complicados de se fazer, temos essa experiência da existência de Portugal enquanto país, os mecanismos de regulação são mais difíceis de exercer do que os mecanismos de controlo. É muito mais fácil eu ter o poder de controlar ou de dizer soberanamente o que é que se pode e não pode fazer do que eu intervir na actividade económica de forma a regular o comportamento dos diferentes agentes. E aqui, digamos, eu fecho o círculo e volto ao meu raciocínio inicial, é disto que andamos à procura e é isto que não encontramos: Como é que se regula o sistema?

As Nações Unidas eram uma maneira de regular o sistema? Provavelmente eram. E tentaram regulá-lo em 1990/91 na primeira guerra do Koweit mas foram deixadas inteiramente à margem pelos Estados Unidos da América este ano com a invasão do Iraque.

À pouco referia-me à questão da reunião em Cancun, da conferência ministerial da OMC. Nós estamos a assistir também a uma tentativa no âmbito da OMC de regular aspectos essenciais da actividade económica internacional que tem directamente que ver com Portugal. Por exemplo, a questão da liberalização dos têxteis que vem aí, mas a liberalização dos têxteis tem outras implicações porque liberalizar implica que a concorrência seja leal. Se os países com quem nós vamos concorrer não cumprem standards mínimos em matéria de protecção social, em matéria dos direitos dos trabalhadores, etc., torna-se complicado concorrer. E, portanto, há aqui um conjunto de aspectos que se nós queremos, de facto, que a globalização funcione e não tenha um efeito inverso, têm que ser devidamente equacionados e devidamente regulados. É essa regulação política e económica noutras áreas que nós estamos à procura mas não é fácil de encontrar e isto gera a tal instabilidade, como referi no início.

Um último raciocínio para me conter dentro do tempo que me foi dado, e Portugal no meio disto tudo? Para equacionarmos Portugal no meio disto tudo temos que partir de uma constatação óbvia. Portugal não foi durante muitos séculos aquilo que é hoje, nós fomos durante muitos séculos um país que tinha, se quiserem, um lado e o lado era sempre para fora. Portugal manteve-se sempre ao longo da sua História fora dos conflitos na Europa, Portugal virou sempre as suas costas à Europa e encontrou sempre na relação com o mar e com o que estava para lá dele o elemento essencial da sua afirmação enquanto Estado, o que é compreensível porque nós temos uma situação complicada só temos um vizinho, e, portanto, encontrar outros parceiros temos sempre que passar por casa do vizinho, o que é incómodo até para o vizinho. Nós temos uma espécie de servidão de passagem por Espanha. Com o fim do ciclo imperial Portugal teve que deixar de ser aquilo que sempre foi, a questão europeia não é uma opção, às vezes falava-se muito, hoje já menos, na opção europeia. A questão europeia não é uma opção: se nós não tivéssemos na Europa estariamos onde? Orgulhosamente sós, como diria o Doutor Salazar? Enfim, não nenhum sentido.

O que é importante notar é que com o fim do ciclo imperial Portugal não voltou as costas ao seu passado: acrescentou qualquer coisa ao seu futuro! Ou seja, passou de um Estado que só tinha um lado a um Estado que tem dois. E é importante que nós compreendamos, e há muita gente que não percebe isto em Portugal (e isso ficou demonstrado com a gestão da crise da iraquiana), que nós somos europeus por convicção e por inelutabilidade. Havia um célebre político alemão do século passado que dizia: “Em política externa muda-se tudo menos uma coisa a geografia”. O problema de sermos europeus não depende de nós, dependerá, eventualmente, do Saramago e da Jangada de Pedra, mas do ponto de vista político não depende de nós. Ou seja, somos europeus ponto final parágrafo. Agora temos que perceber que sendo europeus não podemos deixar de ser atlânticos e é isto que muita gente não percebeu quando o Governo Português tomou as atitudes que tomou a propósito da crise iraquiana.

Do ponto de vista estratégico isto significa que, já que estamos em matéria de alegorias, Portugal em matéria de política externa está como naquela célebre música do Marco Paulo: tem dois amores! Tem uma Europa e uma relação transatlântica. Na Europa porque nós somos europeus e se queremos ser europeus de corpo inteiro temos que perceber que não podemos ser mais um co a nossa perificidade e num contexto de uma Europa a 25 se formos apenas mais um, ninguém se lembra de nós e no momento das decisões ninguém terá em conta os nossos interesses. Mas ao mesmo tempo nós temos que perceber que não nos interessa que a Europa seja exclusivamente europeia: interessa-nos que se perceba que a Europa deve ter também uma vertente virada para o Atlântico, virada para a manutenção da aliança estratégica e do elo estratégico transatlântico com os Estados Unidos da América. Não é em circunstância alguma do interesse de Portugal, por exemplo, que a defesa europeia se faça contra os Estados Unidos da América como pretendem muitos, embora não o digam, quando falam no ressuscitar do eixo Paris/Bona ou hoje em dia Paris/Berlim.

Um país como Portugal não tem nenhum interesse porque ficaria necessariamente submergido na voragem das grandes potências europeias, não tem nenhum interesse que a segurança e a defesa da Europa se façam só na Europa. A Europa tem que perceber de uma vez por todas, que a Europa da segurança e da defesa não se pode construir contra ninguém, não se pode construir por diferenciação, tem que se construir com alguém e tem que se construir em complementaridade. Aquela célebre carta dos 8, por exemplo, é a evidência deste facto. Quando alguns países, como é o caso de Portugal, da Espanha, da República Checa por exemplo, assinam aquela carta dos 8, querem com isso significar que sendo europeus de corpo inteiro não estão dispostos a ser subjugados na voragem da integração europeia e que querem que a ligação com os Estados Unidos complemente, do seu ponto de vista estratégico, a inserção que têm no plano da União Europeia.

Para terminar, diria que Portugal interessam- duas coisas: que política e economicamente nós estejamos na Europa mas que militarmente e no plano da segurança nós estejamos no Atlântico. E isto é importante hoje em dia porque nós estamos a construir uma nova Europa. Estamos em vias, ao que parece, de fazer um tratado constitucional para a União Europeia e é fundamental que quer no Tratado quer nos desenvolvimentos que se sigam a esse Tratado esta ideia nunca seja afastada: a Europa não pode ser um peso, tem que ser um agente interveniente: Um ”global player” nas relações internacionais, e, também nas questões de segurança e defesa mas que isso não se pode fazer pondo em causa aquilo que foi, é e deve continuar a ser um elemento central da estabilidade na Europa e no mundo: a preservação da relação com os Estados Unidos da América e com o Canadá.

Acho que cumpri. (PALMAS)

Carlos Coelho

Muito obrigado Dr. José Correia.

Vamos entrar na fase das perguntas. Primeiro, bloco dos grupos, ontem à noite houve uma reunião com todos os grupos e os nossos avaliadores, que definiu uma regra rotativa de apresentação de perguntas, e, portanto, vamos começar com o grupo roxo.

Bruno Macedo (Grupo Roxo)

Muito bom dia a todos. Queria em primeiro lugar dizer que gostei muito da intervenção do Dr. José Correia e o grupo roxo queria que respondesse a duas questões e fizesse um pequeno comentário a outra citação.

Nós gostaríamos de saber o que pensa da ideia defendida por alguns autores segundo os quais saber quem somos temos forçosamente de saber contra quem estamos ou contra quem somos. E depois gostaríamos que respondesse a duas questões:

O que poderá acontecer à civilização ocidental, e aqui incluímos a Europa e obviamente os Estados Unidos, no dia em que perder a hegemonia militar, cultural, económica e tecnológica?

Depois, por último, se acha que os europeus estão à espera que haja ou que aconteça outro 11 de Setembro, neste caso no seio ou no seu coração, em Berlim ou em Paris, para perceberem a ameaça que paira no ar.

Era só isto, obrigado.

José Matos Correia

O que é que eu lhe posso dizer relativamente a cada uma destas três questões?

O primeiro aspecto, o saber quem somos implica o saber contra quem estamos. Não me parece, que o saber contra quem estamos implica saber com quem estamos. Isso é não saber quem somos. Saber quem somos, Nós sabemos. nós não nos identificamos por diferenciação face a terceiros: temos a nossa própria cultura, temos os nossos próprios valores e princípios e esses são coerentes com a nossa História e com a nossa Civilização. E, portanto, nós para sabermos quem somos não precisamos de saber contra quem estamos. Agora é importante saber contra quem estamos para saber como devemos estar e esse é o aspecto essencial ou um dos aspectos essenciais da situação actual. Tem um pouco que ver com aquilo que referi há pouco a propósito da busca de novas soluções para os novos perigos. Até 1989 sabíamos com clareza que, a União Soviética estava ali, os seus países satélites estavam ali e os seus aliados estavam ali. Nós sabíamos ao milímetro quantas ogivas nucleares tinham, onde as tinham, como funcionavam, etc., quem mandava. Hoje em dia nós vimos substituído um perigo que era um perigo claro, grave mas claro, por uma circunstância em que temos armas de destruição maciça não se sabe aonde, em que temos o terrorismo que conseguimos identificar nos seus aspectos essenciais mas que não conseguimos combater, ou pelo menos não conseguimos destruir. Provavelmente não haverá país no mundo mais competente nestas questões do que Israel, até pela sua própria História. Não haverá, serviços secretos mais competentes no mundo do que a Mossad. Poucos exércitos do mundo, se é que há algum, terão tanta competência militar como o de Israel, porque está em guerra há 50 anos. E, no entanto, Israel não consegue pôr fim aos atentados terroristas como, infelizmente, ainda ontem se viu por duas vezes. Agora, nós temos é que ter a noção clara de contra quem estamos para saber como é que devemos estar e essa noção não existe. Porque aquilo que se passou relativamente à invasão do Iraque, por exemplo, tem muito que ver com o contra quem estamos. Os textos que nos deixei são extremamente interessantes do ponto de vista da reflexão sob este aspecto central do sistema internacional. Qual é que é o problema da mudança, (se existe ou não), uma mudança da estratégia norte-americana e nessa mudança de estratégia é importante, é decisivo o problema da relação com a Europa. Embora, permitam-me um aparte, nós tenhamos com os Estados Unidos uma relação muito curiosa, que é uma relação possessiva, há uma certa Europa que passa a vida a dizer mal dos Estados Unidos, mas depois queremos os Estados Unidos só para nós. Mas esquecemo-nos que os Estados Unidos têm duas faces, porque também têm uma face para o outro lado. E para os Estados Unidos a relação com os países da Ásia/Pacífico é determinante para a sua própria segurança e nós às vezes esquecemo-nos que os americanos não são só atlânticos e que nós não somos os únicos parceiros que eles têm, têm outros, que são tão importantes como nós ou podem ser ou são, pelo menos, para algumas administrações e para alguns teóricos norte-americanos.

Mas, o problema “contra quem estamos” é o problema essencial, porque nós vimos isso a propósito do Iraque, e a certa altura os Estados Unidos disseram o seguinte:

Nós agora sabemos quais são os inimigos e sabemos o que é que temos que fazer, os inimigos são o terrorismo e os Estados que alimentam; o célebre eixo do mal. E, disseram: A partir daqui nós identificados os inimigos vamos enveredar não por uma estratégia de dissuasão, que é a estratégia tradicional mas por uma estratégia de prevenção. E, portanto, vamos lá e acabamos, digamos, com os nossos inimigos. E eles foram ao Afeganistão. O mundo vivia na altura o choque do pós 11 de Setembro e ninguém levantou problemas. Depois Bush disse: E agora vamos ao Iraque! Nessa altura a Europa disse: Alto lá! O que a Europa, no fundo, quis dizer é que nós se calhar nem estamos assim tanto contra o Saddam. Sabemos que o Saddam é mau, tem lá uma ditadura mas, enfim, não há provas evidentes que tenha armas de destruição maciça, não há provas evidentes que alimente redes terroristas, e, portanto, se calhar não temos razões para lá ir. A Europa não foi capaz de dizer: estamos contra aquele! Pelo contrário, os Estados Unidos disseram claramente: estamos contra aquele e vamos acabar com ele. Ou melhor, com o regime, porque eles são melhores a acabar com regimes do que propriamente a caçar os responsáveis.

E, dizia eu, nós não sabemos às vezes com clareza contra quem estamos ou pelo menos não tiramos todas as consequências desse facto e por isso não sabemos como é que nos devemos posicionar. Agora, sabemos quem somos, isso julgo que é indiscutível.

Segundo aspecto: Civilização Europeia e perda de hegemonia. Bruno deixe-me dar-lhe uma novidade, que é a seguinte:

Os Estados Unidos são hoje a potência hegemónica do mundo mas um dia deixarão de ser. Não há nenhuma potência que se consiga perpetuar para toda a História da Humanidade como uma potência liderante do sistema, portanto, um dia os Estados Unidos hão-de acabar como super-potência, aliás há um livro muito conhecido, chamado “The rise all of the great powers “ do Paul Kennedy, em que o autor analisa o problema da ascensão e da queda das grandes potências e até prevê a queda da potência norte-americana. Enganou-se um pedacito porque o livro é de 88 e ele podia tê-lo escrito noutra altura, porque nem de propósito escreveu um livro na altura em que os norte-americanos em vez de caírem como potência se afirmaram progressivamente como potência liderante mas, enfim, acontece aos melhores.

Nos períodos de turbulência, mesmo mais inteligentes têm, por vezes, dificuldade, porque nós não podemos antecipar o futuro, não temos bolas de cristal, e, portanto, podemos pedir a uma dessas senhoras que com frequência aparece nos programas televisivos, sobretudo da manhã, que antecipe a evolução do sistema internacional mas, enfim, para politólogo é difícil, para astrólogo, eventualmente, será mais fácil.

É evidente que um dia o sistema internacional não será o que é hoje. Na década de 60 um célebre sociólogo francês chamado Roger Perfit escreveu um livro chamado “Quand la Chine se vierat”, o resto não fazia parte do título mas era: “Quand la Chine se vierat le monde tremblerá”, e é verdade, quando a China um dia despertar, a China tem todas as condições para ser a maior potência do mundo. Eu costumo sempre dar este exemplo aos meus alunos, que é um exemplo macabro mas significativo: Se houvesse uma guerra entre os Estados Unidos da América e a China e nessa guerra morressem todos os americanos e quatro vezes o número de chineses relativamente ao número de americanos, ficariam no final da guerra zero americanos e tantos chineses quanto os americanos que havia no início da guerra. Quer dizer, a China tem um bilião, duzentos e cinquenta milhões de pessoas, os Estados Unidos têm à volta de 250 milhões. E, portanto, a China tem todas as condições para ser uma super-potência liderante do sistema internacional no futuro e nós até estamos a ajudar, porque como a China é um mercado apetecível, os Estados Europeus estão a criar condições para que as empresas europeias e americanas, como é óbvio, invistam na China. Eu não posso dizer se daqui a 100 anos o sistema não será um sistema bipolar, em que dum lado, por exemplo, estão os Estados Unidos da América eventualmente em decadência e do outro lado a China resplandecente de poder, não posso. O que eu evidentemente posso dizer é que daqui a 100, 200 ou 300 anos o sistema internacional não será como é hoje e, se calhar, as alterações dar-se-ão mais rapidamente do que nós prevemos, porque em 1973 ou 1974 ninguém seria capaz de prever o que aconteceu em 89, ninguém seria capaz de prever que um Gorbatchev chegaria ao poder para fazer aquilo que fez.

Mas a pergunta que o Bruno me fez leva-me a um outro aspecto que eu não tive ocasião de abordar, para respeitar os 45 minutos que me deram, que é importante do ponto de vista analítico: o problema das civilizações e da coexistência ou da conflitualidade civilizacional. Como sabem, os conflitos tradicionais que se deram no sistema internacional  foram conflitos pelo poder, normais, por supremacia de uma determinada potência. O conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética, a Guerra Fria é um conflito ideológico, há duas visões distintas do mundo que se opõem e que tentam conquistar para cada uma a maior área de influência possível. Há quem profetize sobre o tema. Como sabem há um livro muito célebre chamado “The clash of civilizations and the remaking of the world order”, o choque das civilizações e o refazer da ordem mundial, de Samuel Huntington, que é um dos mais brilhantes especialistas em Relações Internacionais norte-americano, que justamente antecipa o século XXI como o século do choque civilizacional. E há quem esteja preocupado justamente devido ao que se tem passado e na progressiva oposição do mundo árabe ao mundo ocidental. Foi muito importante, por exemplo, que a seguir ao 11 de Setembro os Estados Unidos da América tenham percebido esse risco e tenham tentado construir uma coligação contra o terrorismo que abrangia países das mais diversas áreas de influência, das mais diversas áreas do ponto de vista civilizacional. É perfeitamente possível que num conflito civilizacional haja um crescendo de outras civilizações e isso provoque uma erosão na Civilização Ocidental,. Não esquecer que a liderança da Civilização Ocidental são os Estados Unidos da América. Aliás, o livro do Huntintang não é tanto um livro preocupado com o problema do declínio da Civilização Ocidental, é um livro que prevê esse declínio e que indica aos Estados Unidos qual é a melhor forma de evitar esse declínio. É evidente que desta conflitualidade civilizacional, que é um risco que corremos, eu não tenho a visão determinística do Huntintang, achando que tem mesmo que ser assim, mas é evidente que corremos e se esse risco existir é evidente que esse risco pode concorrer para um decréscimo da Civilização Ocidental e para uma perda significativa de hegemonia ocidental e dos Estados Unidos da América.

Terceiro aspecto, o comentário que o Bruno me pediu sobre se a Europa precisa de um 11 de Setembro. Se um 11 de Setembro na Europa a Europa perceberia mais rapidamente a ameaça. Bom, eu vou-vos dar um exemplo que há bocado comentava aqui com o Carlos Coelho, faz hoje uma semana, no âmbito de uma iniciativa levada a cabo pela Comissão Política do PSD, participei num colóquio em Leiria, não sei se há aqui alguém do Distrito de Leiria ou mesmo de Leiria, participei num colóquio sobre Política Europeia de Segurança e Defesa, onde estavam, (não é o meu caso), iminentes especialistas nesta matéria, como o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o embaixador José Cutileiro. Lá dissemos o que tínhamos a dizer sobre esta matéria e depois discutimos, fazendo o nosso melhor para explicar porque é que tinha que haver uma Política de Segurança e Defesa, porque é que uma defesa europeia comum era fundamental para a estabilidade na Europa, para contribuir para a paz no mundo, etc.. Essas coisas que se dizem em circunstâncias desse teor. E depois lá estivemos todos contentes à espera duma pergunta e perguntas sobre Política Europeia de Segurança e Defesa mas nem uma, é que nem uma! Harmonização fiscal, concorrência económica, tudo e mais alguma coisa: Política Europeia de Segurança e Defesa népias. E eu estava a pensar com os meus botões que na conclusão de tudo aquilo, que a defesa é como a saúde, nós só lhe sentimos a falta quando não a temos. E, portanto, falar de defesa nestas circunstâncias de paz é sempre: “mas porque é que vamos gastar dinheiro em orçamentos e em canhões?” Eu, evidentemente, não vou ao ponto de dizer que se a Europa tivesse um 11 de Setembro perceberia a natureza da ameaça, mas esse seu raciocínio, Bruno, não deixa de ser um pouco real, porque aí estaríamos perante a tal falta de saúde que nos faz logo ir a correr para o médico. O único ponto é que se nós estivéssemos numa situação dessas devíamos estar devidamente adaptados a lidar com ela e não estamos. Eu percebo que do ponto de vista até eleitoral, falemos com franqueza, é muito mais prático gastar dinheiro a aumentar salários ou é muito mais fácil construir infra-estruturas ou hospitais do que gastar dinheiro a comprar canhões. Agora, infelizmente há sempre um momento na História da Humanidade em que as pessoas se arrependem de não terem comprado os canhões na altura devida, porque se a Europa tem comprado os canhões na altura em que devia em vez de ter cedido ao nazismo alemão, o nazismo alemão nunca teria feito o que fez. E nós temos exemplos significativos disso. Quando em 1979 a União Soviética colocou os mísseis de alcance intermédio na Europa de Leste, e a Europa Ocidental foi capaz de responder, isso foi imprescindível do ponto de vista da segurança. No entanto, vocês não se lembram desses períodos, mas aquilo que se passou na Europa em 1979/80 foi tão grave, quase, como o que se passou recentemente a propósito do conflito do Iraque. As manifestações de massas que ocorreram na Alemanha em particular, onde o movimento pacifista já era muito forte, na Bélgica, na Inglaterra, etc. foram extremamente significativas, a dizer: não queremos cá os mísseis porque os mísseis são uma forma de aumentar o período de conflito. Mas foi exactamente o contrário. A não cedência perante a União Soviética foi a melhor maneira de demonstrar que era possível garantir uma posição de firmeza na segurança europeia. E a Europa não percebeu isso. Não há dúvida que aqui há uma divergência significativa entre os europeus, e aqui não me refiro apenas aos decisores políticos, refiro-me aos cidadãos europeus e norte-americanos. Os norte-americanos valoram o aspecto da sua segurança, não fecham os olhos ao investimento na sua própria segurança, não se importam. O Presidente Bush anunciou anteontem que ia pedir 87 mil milhões de dólares adicionais por causa da guerra no Iraque. 87 mil milhões de dólares é uma enormidade de dinheiro! Nós andamos todos contentes em Portugal há não sei quantos anos a decidir se vamos ter submarinos? E se tivermos submarinos, temos em 1.ª mão ou em 2.ª? E alguém que viesse de Marte deveria pensar: estes tipos devem estar a pensar comprar uma flotilha para aí de 100 submarinos, alguns dos quais, quiçá, nucleares. Mas, não, a discussão é saber se temos 3 ou 2. Isto é ridículo! O país anda há vários anos, a discutir se ia ter 3 submarinos ou nenhum. E chegámos a uma situação tão ridícula que o Governo anterior demorou tanto tempo a decidir uma coisa destas que nós agora corremos o risco de haver a altura de não termos nem os novos nem os velhos, temos os nossos especialistas em submarinos em casa, presumo eu, ou então em jogos de realidade virtual para não se esquecerem como é o interior de um submarino. Lembro-me de um artigo que vinha na Visão da semana passada, que perguntava se o Primeiro-Ministro devia ou não ter anunciado que íamos comprar 300 viaturas de rodas para substituir as chaimites. As chaimites deviam estar num museu, não era na Bósnia. Este raciocínio que fazemos em Portugal é um raciocínio que de medida diferente se faz nos outros países europeus. Todos os países europeus têm diminuído o seu investimento em matéria de defesa e aqui aplica-se o princípio de que sem ovos não há omoletes, ou seja, não se pode garantir a segurança se não houver meios e o problema é que os países europeus têm esta relação estranha com os Estados Unidos. Numa altura de relativa estabilidade ou em que a instabilidade não nos afecta muito fazem a voz grossa, dizem: “Bom agora vamos ver se a gente apoia ou não”, mas quando há guerra correm a dizer aos Estados Unidos “venham lá ajudar”. A França fez a figura que fez na 2.ª Guerra Mundial e teve que ser libertada pelos Estados Unidos, não foi libertada pelos seus lindos olhos ou pelas suas capacidades.

E, portanto, talvez se a Europa sentisse um bocadinho mais de perto o risco do conflito, percebe-se que não é “depois de porta arrombada, trancas à porta”.

Nós temos um Grupo de Trabalho rosa? (RISOS/PALMAS)

Carina Gomes (Grupo Rosa)

Bom dia. E não é fácil defendê-lo! (Risos)

Nós gostaríamos de saber e tendo em consideração os interesses de Portugal e o apoio político e prático dado aos nossos aliados transatlânticos no combate contra o terrorismo na intervenção no Iraque, quais foram as contrapartidas imediatas de cariz técnico, financeiro e político obtidas pelo Governo Português nesta intervenção. Obrigada.

PALMAS

José Matos Correia

Eu estou aqui a pensar com os meus botões se hei-de responder a sério ou a brincar. Bom a brincar podia dizer que isto é uma pergunta que só podia vir de um grupo rosa… (RISOS/PALMAS) … a sério, deixe-me responder-lhe com toda a franqueza como eu gosto de falar, eu acho que o seu raciocínio é um raciocínio compreensível, pois é um raciocínio colectivo, mas errado. Eu se tenho que emprestar dinheiro aos meus amigos não lhe cobro juros, se emprestasse um carro não ia cobrar uma diária pelo carro. Eu acho que a questão das contrapartidas dos nossos parceiros face ao apoio que lhes demos e estamos a dar na luta contra o terrorismo é uma questão que se pode legitimamente pôr mas não fazendo link entre o apoio e as contrapartidas. E aqui, eu quero-vos dizer com toda a franqueza e pode ser uma atitude um pouco desenquadrada mas ou bem que nós fazemos política com recurso a princípios e a valores ou então não vale a pena fazer política, porque se fazemos política por razões, (não quero ser ofensivo e, não me entendam nessa perspectiva), se fazemos política por razões de mercearia não vale a pena. A verdade é que auxiliamos os nossos aliados, porque achámos que esse era o lado certo e ao ajudar os nossos aliados na luta contra o terrorismo estavamos a defender os nossos valores.

Nós não estamos na mesma condição da Turquia, que também queria dinheiro em troca para permitir facilidades na guerra contra o Iraque. Ou bem que nós comungamos com os Estados Unidos determinados princípios e valores ou não comungamos. Ou nós temos uma posição similar à da França e Alemanha e dizemos: “estamos do outro lado, paciência! não contem connosco para isso”. Ou bem que nós achamos que a linha certa é esta, que os Estados Unidos, independentemente de não concordarmos com alguns aspectos, que os norte-americanos são determinantes na garantia da paz e estabilidade internacional e que nós no momento em que os nossos aliados precisam de nós estamos com eles. Se é assim tudo bem e não temos que ter nenhuma outra consequênciaPortugal é um país que é periférico em tudo, até muitas vezes nos políticos que tem. E nós agora estamos a ter a discussão em Portugal quando os outros começaram muito mais cedo tentativas de discussão, que é o problema que foi noutro dia levantado segundo o qual o Primeiro-Ministro tem que dizer porque é que nós sabíamos que havia armas de destruição maciça no Iraque e agora não há lá nada. Mas, se repararem a questão das armas de destruição maciça no Iraque, não era ninguém que tinha que demonstrar que o Iraque tinha armas de destruição maciça, o Iraque é que tinha que demonstrar perante a Comunidade Internacional que as tinha destruído, isso é que nunca fez. Essa questão foi sempre uma questão lateral no discurso político utilizado pelo Governo Português. O que o Governo Português sempre disse foi o seguinte:

Se os Estados Unidos que são desde há muito tempo o nosso principal aliado, se os Estados Unidos estão envolvidos numa luta contra o terrorismo e contra ditaduras hediondas, como é o caso do Iraque, nós sabemos de que lado estamos. E se os Estados Unidos nos pedirem ajuda nós daremos ajuda na qualidade de aliados e tendo a noção clara do que significa ser aliado? Significa dar apoio! Os aliados não servem para criticar, não se chama a isso aliado. E nós tivemos sempre uma posição clara, de um lado. Se houvesse uma guerra que nós não desejávamos, a guerra teria como fundamento a vontade dos Estados Unidos combater um regime ditatorial, bárbaro e que é suposto ter armas de destruição maciça. Se os Estados Unidos se envolvessem na guerra, nós só tínhamos duas hipóteses, (não podíamos estar ao lado do Iraque, tínhamos duas hipóteses), fazíamos como Pôncio Pilatos, lavar as mãos e dizer que não era nada connosco, ou dizer que são nossos aliados, e os aliados servem para as ocasiões. Como os Estados Unidos estiveram com os seus aliados quando os estes precisaram. Era muito mais fácil para os Estados Unidos terem dito: O quê? Morrermos na Europa por causa do Hitler? Os europeus que resolvam o assunto, não é connosco. Nós tomámos uma posição alicerçada em valores e em princípios, e sendo uma posição alicerçada em valores e em princípios não temos que ter contrapartidas. Agora, é perfeitamente legítimo dizer, como o estamos a dizer agora, nós, quando os momentos foram decisivos, estávamos lá e agora nós temos os nossos interesses, temos os problemas das nossas empresas e dos nossos empresários e queremos também estar presentes na recuperação económica do Iraque. É diferente, o linking seria errado, a possibilidade de utilizar a oportunidade que existe e fazer valer a influência que temos junto dos americanos para explorar essa oportunidade é perfeitamente legítima. (PALMAS)

Pedro Cardoso (Grupo Encarnado)

Muito bom dia a todos. A nossa pergunta é a seguinte:

Hoje o Direito Internacional Público é composto já por um enorme acervo de normas e princípios unanimemente aceites, para tal a comunidade internacional possui uma complexa rede de organizações, através das quais pode manifestar essa sua vontade comum. Contudo, na verdadeira hora dos conflitos e dos massacres de populações indefesas, todos paracem estar mais preocupados com o melhor timing para cada Estado, quais os seus interesses individuais e simplesmente de quem tem ou não o Poder para os implementar. Será que o que dita as questões humanitárias é a força das armas?

José Matos Correia

Sabe que a questão que coloca é uma questão que nos levaria muito tempo a elucidar, porque tem que ver com o próprio papel do Direito Internacional no actual sistema e tem que ver com o papel de actores não estaduais, como é o caso das organizações do sistema internacional.

Mas eu posso começar, também, por responder à sua pergunta colocando uma pergunta provocatória, que é a seguinte:

Quantos dos presentes é que estariam dispostos a integrar Forças Armadas Portuguesas para ir morrer para o Kosovo, proteger a população do Kosovo?

Nós temos que ter a noção que há um aspecto que se joga a nível super estrutural mas há aspectos que se jogam a nível infraestrutural, nós não podemos fingir que a comunidade internacional não continua hoje a ter como elementos preponderantes os Estados e não podemos fingir que os elementos determinantes da vontade das organizações internacionais estão também assustados. Quer dizer, quando foi a primeira guerra do Iraque os membros permanentes do Conselho de Segurança entenderam-se e as Nações Unidas autorizaram a intervenção militar no Iraque. Quando foi a segunda guerra do Iraque os cinco membros permanentes não se entenderam e as Nações Unidas não autorizaram a intervenção militar no Iraque. Temos que perceber que isto não são coisas que se jogam no etéreo, jogam-se de acordo com os interesses dos Estados e nos momentos determinantes. Nas questões essenciais o que continua a contar são os interesses dos Estados.

Porque é que houve guerra na Jugoslávia? Houve guerra na Jugoslávia por razões várias:

Primeiro porque os jugoslavos não se entendem, a Jugoslávia era uma criação artificial mantida com mão férrea, já foi a Jugoslávia que deu origem à Primeira Guerra Mundial, o problema da Jugoslávia é como o Constantino vem de longe! E há factores endógenos à Jugoslávia mas há factores exógenos. Por exemplo, a França e a Alemanha não se entenderam relativamente ao problema da Jugoslávia, havia quem entendesse que a Jugoslávia devia manter-se como um país unido e tudo devia ser feito nesse sentido. Havia outros países que entendiam que não e que o melhor era reconhecer a independência rapidamente das diferentes repúblicas e pôr fim à Jugoslávia, o resultado foi o que se viu. Passaram-se massacres hediondos na Jugoslávia, nós convivíamos todos os dias com eles na televisão, eu não vi assim nenhum português oferecer-se como voluntário para lutar ao lado dos bósnios contra o ataque dos sérvios. Repararão que só quando, de facto, a opinião pública norte-americana mudou radicalmente de ponto de vista é que o Clinton se sentiu pressionado a dar um murro na mesa e dizer: Acabou a guerra na Bósnia/Herzgovina.

É curioso, o que é que os norte-americanos fizeram quando foi a questão da Jugoslávia? Começaram por dizer, isso é um problema europeu, os europeus que o resolvam. Os europeus fizeram a triste figura que fizeram, então as Nações Unidas que resolvam. As Nações Unidas foram incapazes de resolver, nós assistimos a coisas absolutamente únicas no conflito da Bósnia, quando os sérvios se deram ao luxo de atar capacetes azuis a postes ao lado de depósitos de munições para não haver ataques a esses depósitos e as Nações Unidas olhavam para aquilo com ar estupefacto, até que um dia o Clinton começou a sentir a pressão da sua própria opinião pública e começou a perceber as consequências políticas que aquilo podia ter para a sua reeleição, e disse: Alto, agora eu chamo o assunto a mim. Chamou toda a gente: o Milosevick, o Todgman da Croácia e o Presidente Bósnio, da minoria muçulmana bósnia, e disse: “Agora não saiem daqui, de Dayton sem assinarem um acordo, e o acordo foi assinado e foi cumprido”

Nós vivemos durante vinte e tal anos uma situação que nos afectou directamente, que foi a situação de Timor que era claramente uma situação de violação da ordem internacional, com um extermínio sistemático de uma população, nós assistimos ao ridículo de haver um desrespeito por parte de grupos apoiados pela Indonésia e dos resultados do referendo e a comunidade internacional a bater à porta do Presidente indonésio a dizer: Não se importa que as Nações Unidas intervenham? Recordar-se-ão que as Nações Unidas só intervieram na Jugoslávia depois da autorização dada pela Indonésia. E, nós não podemos ter do Direito Internacional e das suas instituições nem uma visão excessivamente catastrofista ou excessivamente realista, se quiser, nem excessivamente idealista. A realidade é a que é, os intervenientes nessa realidade têm os interesses que têm e têm o poder que têm. E, portanto, temos que perceber que em determinados momentos não há interesse de quem manda ou de quem tem poder de enveredar por um determinado caminho e que as organizações internacionais são evidentemente objecto de querela interna e são afectadas por uma maior ou menor eficácia nas suas decisões em função dos interesses contraditórios dos Estados, que se degladiam em determinados momentos. Eu diria que temos que manter nesta matéria os pés na terra, seria irracional achar que as Nações Unidas têm condições para manter a paz e a segurança internacional. Mas também não é adequado achar que as Nações Unidas são uma completa inutilidade e que mais valia passarmos sem as Nações Unidas, porque eu estou seguro que as coisas estariam muito piores se não houvesse uma coisa chamada ONU. (PALMAS)

Francisco Figueira (Grupo Verde)

Bom dia a todos. A pergunta que o Grupo Verde lhe queria colocar tem a ver com uma coisa que só falou assim de forma marginal, que é:

No contexto europeísta e atlantista em que, e bem, colocou Portugal, que mais valias poderemos ou não retirar das nossas relações privilegiadas com espaços geopolíticos, como o Brasil, os PALOP, com os quais temos ligações históricas grandes.

José Matos Correia

Essa questão tem que ver com um aspecto que eu, de facto, só abordei lateralmente, que é o problema da definição da identidade política ou diplomática de Portugal. E tem que ver com outro aspecto que eu referi na minha intervenção, que é o problema da forma diferente como temos de olhar o poder dos Estados hoje em dia, dado o esboroar do conceito de soberania. Nós estamos na Europa mas não queremos diluirmo-nos na Europa, são coisas diferentes. Nós queremos uma Europa unida, nós queremos uma Europa forte mas queremos uma Europa que seja de todos e queremos que seja uma Europa para a qual todos contribuam e em que nenhum se sinta numa situação de inferioridade. Ora isto significa que a Europa deve servir para permitir a gestão conjunta daquilo que tem que ser gerido conjuntamente mas tem ao mesmo tempo que valorizar aquilo que cada um traz de diferença para o projecto europeu. Cada Estado e em particular os pequenos Estados têm todo o interesse nessa diferenciação. Portugal tem que ter a noção que está num processo que tenderá a aprofundar-se e alargar-se e cada vez mais coisas são idênticas e comuns. Mas como, julgo eu, nós não queremos uma diluição completa dos Estados, queremos uma Europa de Estados, não queremos, eu pelo menos eu não quero, uma Europa federalizada, como é o modelo norte-americano. Queremos um modelo diferente, isso significa que cada Estado tem que manter aquilo que o identifica a si próprio. A sua mais-valia é demonstrada por isso, mas também a sua autonomia no contexto do projecto europeu advém da afirmação daquilo que é a sua diferença face aos outros. E, nesse contexto o problema da ligação fora da Europa, seja ela a questão do laço transatlântico que nos une aos Estados Unidos e ao Canadá, seja ela a ligação às áreas a que historicamente, estamos relacionados é essencial.

Temos que ter a noção clara que a relação com os países de língua oficial portuguesa, não é uma alternativa. De vez em quando ainda há umas pessoas que quase dizem, “bom, nós temos uma lusofonia, uma alternativa”. Não temos! Uma lusofonia não é uma alternativa. A lusofonia é uma das formas de afirmar a nossa identidade enquanto Estado. E se a Europa for inteligente, e é, perceberá que a afirmação da identidade lusófona portuguesa é uma forma de reforçar o poder da Europa no mundo, porque é uma maneira que a Europa tem de estar relacionada privilegiadamente com 5 países africanos, dois dos quais muito importantes, na costa ocidental e oriental de África (Angola e Moçambique), estar presente na Ásia (mas, há outras potências europeias que têm boas relações com a Ásia, a Holanda com a Indonésia, por exemplo), mas em particular com o Brasil. O Brasil é o maior investimento da História de Portugal, são 170 milhões de pessoas que falam português e que estão no Brasil. Se olharem para as diferentes comunidades baseadas na História e na Língua, a comunidade francófona, a comunidade anglófona (ou COMMONWELTH) e a comunidade lusófona, esta é a única em que o país mais importante não é a potência colonial tradicional. Na COMMONWELTH o país mais importante é, de facto, a potência colonial tradicional em termos do poder que tem, em termos da situação que ocupa no mundo, que é a Inglaterra. Na comunidade francófona a mesma coisa, o país mais importante da comunidade francófona é a França, em termos de poder, em termos de História, em termos da sua posição no mundo. No caso da comunidade lusófona o mesmo não se passa. O país mais importante no âmbito da lusofonia não é Portugal, é o Brasil. O Brasil pode perfeitamente aspirar a um lugar de membro permanente do Conselho de Segurança se for alterada a composição do Conselho de Segurança e nós, aliás, apoiamos o Brasil para esse efeito. Mas isto não deixa de trazer aqui alguma complicação, porque o Brasil tem um conjunto de possibilidades de se afirmar como grande potência regional que nós não temos. Isso depois é um problema da relação bilateral que tem sido bem gerida e continuará, certamente, a ser bem gerido. Mas há aqui, de facto, um aspecto essencial, Portugal não pode nem deve nunca esquecer aquilo que foi durante 4 séculos (os Descobrimentos só começaram no final do século XV), e quanto mais nós progredirmos no caminho da integração europeia mais importante é que Portugal afirme essa especificidade lusófona. Aas pessoas às vezes não percebem ou não querem perceber que não é por acaso que na última revisão constitucional, em 2001, (feita a propósito do Tribunal Penal Internacional), se foi alterado o artigo 10.º da Comissão por norma simples que diz: A língua oficial é o português. Vieram logo aí não sei quantas pessoas, a começar pelo Dr. Francisco Louçã a dizer: Mas isso é uma estupidez. Que a Constituição espanhola diga que a língua espanhola é o castelhano, assim à primeira vista percebe-se, porque a Espanha fala várias línguas e não há espanhol. Agora pôr na Constituição portuguesa que a língua oficial portuguesa é o português, não passa pela cabeça de ninguém. Em Portugal tirando o mirandês e o português nos seus diferentes sotaques, que às vezes é quase impronunciável e difícil de detectar, mas a verdade é que todos falamos português. Só não percebem que aquilo foi feito com um objectivo claro, com o objectivo de dizer que nós não estamos disponíveis no âmbito europeu para certo tipo de decisões, porque esse tipo de decisões pode afectar um dos elementos fundamentais da afirmação da identidade nacional portuguesa, que é a Língua Portuguesa, esse é um aspecto simbólico mas que é determinante nessa posição portuguesa de afirmar a lusofonia, não como uma alternativa à integração europeia mas como um aspecto essencial para compreendermos o que é que Portugal é e aquilo que Portugal deve querer continuar a ser. (PALMAS)

Carlos Coelho

O Dr. José Matos Correia numa resposta que já deu há pouco recordou 3 documentos que são, aliás, muito interessantes para a pasta de documentação que estão a ser produzidos, serão distribuídos no início da sessão da tarde.

Fernando Santos (Grupo Amarelo)

Bom dia, Deputado José Matos Correia, Excelentíssimo Reitore, em nome do grupo amarelo a nossa pergunta é:

Qual o papel, que importância tem Portugal na criação de pontes diplomáticas, sociais e económicas entre a União Europeia e os PALOPS para pôr fim aos problemas sócio-económicos desses países, principalmente depois da recente crise do Iraque e da separação entre dois eixos, Paris/Berlim e Londres/Lisboa/Madrid? Obrigado. (PALMAS)

José Matos Correia

O problema é que as questões que vocês colocam levam-nos sempre ou dever-nos-iam levar sempre a ter que abordar um conjunto de questões mais alargado.

A semana passada, julgo eu, a secretária para as relações internacionais do Partido Socialista escreveu um artigo no “Público” a reconstituir uma espécie de tese mirabolante, dizendo que já se estavam a fazer sentir os resultados negativos de Portugal ter apoiado os Estados Unidos na guerra do Iraque e que estávamos a perder apoios em todo o lado e que já tínhamos perdido não sei quantas candidaturas, enfim, teses mirabolantes.

Mas, esta é uma pergunta que, de facto, se pode pôr e que se pode pôr a propósito da questão que me colocou, isto é, os países lusófonos e Timor precisam de um apoio significativo para o seu desenvolvimento. Uma parte importante do seu desenvolvimento está ligada aos fundos externos e o maior dador de fundos para a recuperação do mundo é a União Europeia, desde os tempos da Convenção de “AUNDÉ” com o fundo europeu para o desenvolvimento até aos tempos de hoje. Isto pode ter alguma consequência? Não, na minha opinião nenhuma, zero por razões de ordem vária:

Primeiro, porque o quadro institucional de apoio aos países do terceiro mundo está definido, quer dizer, a União tem um conjunto de acordos com os países ACP e são esses acordos que definem os plafonds financeiros e os termos em que o apoio vai ser concedido, isso não é alterado apenas porque eles são lusófonos.

Por outro lado, o desenvolvimento económico desses países está muito ligado à questão do investimento estrangeiro. Um empresário se tiver boas oportunidades de investir num país lusófono, não vai deixar de investir num país lusófono porque Portugal apoiou os Estados Unidos na Guerra contra o Iraque, mesmo que o investidor seja alemão, ele está-se mais ou menos nas tintas para quem apoiou quem na última guerra, que ele se calhar nem deu por ela. O que lhe interessa é saber se é uma boa oportunidade de negócio e se for ele vai. E, portanto, na minha opinião os alinhamentos que se geraram no seio da União Europeia, ainda bem que você recordou a lógica das alianças, porque é curioso continentalidade de um lado, atlanticidade do outro, o eixo europeu ainda em vigência face aos Estados Unidos é o eixo puramente continental, Berlim/Paris. O eixo de apoio aos Estados Unidos da América é o eixo Atlântico, as capitais que dão para o mar, (Madrid não dá bem para o mar mas, o país dá para o mar). E, portanto Lisboa, Madrid, Londres. Como sabe há uma tradicional união muito forte entre 3 países europeus que levam a que normalmente nós nos refiramos a eles pela sigla dos 3 “BENELUX”, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo. Quando foi a questão do Iraque, a Bélgica e o Luxemburgo ficaram do lado da França e da Alemanha, a Holanda quebrou a solidariedade no âmbito do BENELUX e aliou-se aos mais atlantistas, porquê? Porque a Holanda tem tradicionalmente uma posição atlântica pois é um país virado para o mar, aliás, às vezes não é só virado, tem mesmo o mar dentro de casa.

Agora, eu julgo que isso não tem consequências por estas razões que lhe estava a referir. São planos diferentes. A União Europeia julgo que não confunde as coisas e também eu podia-lhe fazer a pergunta noutros termos: Se, porventura, no auxílio aos países da América Latina o facto de a Espanha ter apoiado os Estados Unidos se ia ter consequências. Julgo que não, as coisas movem-se em planos distintos, os interesses em presença são divergentes e por essa via não terá acontecido nem está para acontecer nada em especial.

Mas já agora deixe-me que lhe diga uma coisa a propósito do desenvolvimento dos países lusófonos e do apoio exterior. Falamos muito no apoio externo para o desenvolvimento dos países do terceiro mundo, nós temos que ter de uma vez por todas a noção clara de que o desenvolvimento dos países do terceiro mundo está muito ligado às transferências financeiras vindas do estrangeiro, públicas ou privadas, mas está em grande medida, senão na maior parte dependente da capacidade desses países para fazer aquilo que devem. A Guiné-Bissau tem os problemas que tem porque não recebe apoio estrangeiro ou porque tem os responsáveis políticos que tem? São Tomé e Príncipe tem os problemas que tem só por não ter apoio estrangeiro, (que tem bastante), ou porque não foi capaz de tomar as medidas devidas para pôr o país a funcionar? É que temos que ter esta noção também.

E, portanto, embora isto já não tenha que ver com a sua pergunta mas foi-me suscitada a propósito dela, é evidente que esses países são subdesenvolvidos, precisam de apoio externo e Portugal tem um papel importante, não só em dar esse apoio mas em sensibilizar outros meios, nomeadamente os europeus para esse apoio mas é preciso termos a noção clara que muitas vezes esses países estão no estado em que estão não por falta de apoio exterior mas por incapacidade de aplicação dos fundos que recebem do exterior. (PALMAS)

Armando Vieira (Grupo Laranja)

Bom dia a todos. Hoje em dia é cada vez mais uma verdade irrefutável que vivemos num mundo rural, um mundo sem fronteiras e sem barreiras. Em consequência disto, o poder de decisão de cada Estado soberano está a ser permanentemente assumido por instituições supra-nacionais, assim gostaríamos de saber em que medida poderá existir um mundo coeso e estável, se não tiver a capacidade de gerir as diferenças culturais, religiosas ou sociais de cada região no mundo, ou seja, poderemos garantir um mundo equilibrado, se não garantirmos equilíbrios regionais duradouros? (PALMAS)

José Matos Correia

Bom, se eu um dia quiser fazer uma tese de doutoramento em Relações Internacionais depois lembre-me dessa sua pergunta, para tentar elaborar uma tese sobre ela.

No contexto desta circunstância, que resposta é que eu lhe posso dar?

Nós estamos numa circunstância em que é muito fácil fazer perguntas, é muito complicado dar respostas e imagine se é muito complicado dar respostas quando eu estou na situação em que estou, imaginará a dificuldade que têm os Presidentes e os Primeiros Ministros para dar resposta aos problemas com que são todos os dias confrontados, e quando têm a noção de que a decisão que tomarem pode ter consequências muito benéficas mas também extraordinariamente devastadoras. Eu presumo que a dúvida que vocês têm é a dúvida que o Presidente Bush e os seus conselheiros devem ter posto sobre se deviam ou não invadir o Iraque. É a dúvida que o Dr. Durão Barroso deve ter posto quando colocado perante um conflito, teve que decidir, “faço como os europeus eixo Berlim/Paris ou apoio os Estados Unidos? Isto vai ter consequências boas ou más? Para Portugal isto é melhor ou pior? Para Portugal isto facilita o entendimento com os nossos parceiros ou dificulta?”

A sua pergunta, portanto, é uma pergunta extremamente difícil de responder, porque nós temos um sistema internacional que vamos descobrindo há medida que vamos tacteando, para utilizar aquela frase conhecida “o caminho faz-se caminhando” e é extremamente difícil apontar soluções para as dificuldades que todos os dias se nos colocam. Se vocês se derem ao trabalho de olhar para aquilo que têm sido os debates, sobretudo nos últimos 2 anos, sobre os caminhos da política externa dos diferentes países, verão que as coisas estão muito quentes, muito mais do que estavam em 1965, porque aí o tal quadro de raciocínio era claro e aqui não. Aqui, repare, os académicos têm hoje uma responsabilidade que não tinham anteriormente. Porque é que a Condolesa Rice é hoje a National Security Advicer do Presidente George W. Bush? A Condolesa Rice era uma das maiores especialistas académicas norte-americana no estudo das relações entre os Estados Unidos e a Europa. Para além de já ter servido num lugar de menos relevância na administração do pai Bush. Mas alguns dos principais responsáveis pela política externa e pela política de segurança norte-americana são académicos, que têm uma determinada visão do mundo, que têm uma visão do que deve ser a posição norte-americana e que convenceram o Presidente Bush que esta é a melhor solução mas há outros com posições divergentes. Imagine, eu que sou professor universitário estou todo contente por ser professor universitário em Portugal, se fosse nos Estados Unidos, poderia ter o Bush a seguir as minhas opiniões… (risos) … era uma responsabilidade com a qual eu não sei se conseguiria dormir todas as noites.

Ora, aquilo que eu vos tentei hoje transmitir é uma abordagem necessariamente subjectiva das análises que eu faço, com base nos conhecimentos e nas ideias de terceiros, sobre a evolução do sistema. E teria mais facilidade em responder-lhe se eu pudesse prever com clareza o que é que cada player vai fazer mas eu não sei o que é que vão fazer. Há aqui uma oscilação e uma instabilidade no sistema que torna muito difícil prever. Eu, por exemplo, acho que neste momento os norte-americanos apostaram de facto numa deriva unipolar, os Estados Unidos vão fazer o que quiserem com ou sem apoio. Repararão, aliás, que os Estados Unidos quando foi da guerra do Iraque chegaram a dizer, perante a hesitação de Blair, nós vamos com a Inglaterra ou sem a Inglaterra, vamos, acabou! Aliás, poderiam ter ido, não serão 15 mil ingleses que ganharão a guerra no Iraque ou 2000 australianos. A presença dos Ingleses serviu como uma almofada de apoio político para os norte-americanos, para dizer: “nós também temos cá os ingleses e para os ingleses” surgiu como uma forma de se afirmarem externamente.

Agora eu não posso garantir que daqui a 6 meses não haja uma inversão, se as coisas no Médio Oriente se agravarem de uma forma extraordinária, e que isso leve a China e a Rússia a ter determinado tipo de comportamentos, que os norte-americanos não achem, “alto, espera lá que isto se calhar o melhor é nós enveredarmos por outro caminho, porque por este não vamos bem”. Desde que a guerra no Iraque começou os Estados Unidos houve um conflito entre a linha unilateralista e a linha multilateralista e os Estados Unidos afirmaram claramente a unilateralidade. Portugal tem, muitas vezes, um conjunto de académicos e de analistas que são mais ou menos como Lucky Luke, que disparava mais rápido que a própria sombra, há muitas pessoas em Portugal que falam mais depressa que o seu próprio raciocínio e que depois dizem uma série de coisas que não tem nenhum sentido. E, agora costuma muito falar-se na postura de extrema-direita do Presidente Bush e no conservadorismo do Presidente Bush e não sei mais o quê. Mas, isso não é rigorosamente verdade, se vocês repararem no que diz respeito a este tipo de discurso dos bons contra os maus, da liberdade contra a opressão a diferença que há entre Bush e Clinton é mais uma diferença de tom do que uma diferença de substância. Há um artigo muito interessante publicado, se não me engano este fim-de-semana, pelo Dr. Miguel Monjardino, que é como sabem um grande especialista em questões de segurança e defesa internacional, no Diário de Notícias, em que ele lembra, e bem, a propósito desta questão, que quem disse que os Estados Unidos estavam do lado certo da história não foi o Presidente Bush, foi o Presidente Clinton. Portanto, a diferença entre o Bush e o Clinton não é tanto como se quer fazer crer, e em Portugal muita gente quer passar, a ideia de que o Clinton era um democrata respeitador das instituições internacionais e que o Presidente Bush é um trauliteiro republicano que bombardeia e invade toda a gente. Quem bombardeou o Kosovo sem autorização das Nações Unidas, que eu saiba não foram os republicanos e o Presidente Bush, foi Clinton. Agora, o que há, porventura, é uma diferença, não propriamente ideológica mas, estratégica sobre o modo como os Estados Unidos se comportam. O Presidente Clinton privilegiava mais a abordagem multilateralista, aliás como o pai Bush. Numa primeira fase o filho Bush andou ali um bocadinho a navegar mas depois, sobretudo a partir do 11 de Setembro, há uma clara aposta numa deriva unilateralista e numa teoria que é nova. Aliás um dos artigos que vos vou deixar, e que não foi publicado ainda, chama bem a atenção para isso, é aquilo que a que, não sei se foi o Cheeny chamou “The Coalition of the Willing”, aquilo que em português, não duma forma directa, se pode traduzir por coligações flutuantes. Se repararem os Estados Unidos na luta contra o terrorismo fizeram um conjunto de coligações flutuantes, se quiseram fazer uma intervenção no Afeganistão, fizeram um acordo com o Paquistão e com alguns países da Ásia Central para terem bases para invadir o Afeganistão. Não hesitaram em calar a boca sobre os abusos dos direitos humanos na Chechénia quando perceberam que a Rússia era importante na coligação contra o terrorismo. E, portanto, eu diria que no caso dos Estados Unidos, mais que uma alteração política ou ideológica, embora aí haja claramente uma diferença de tom, todos os americanos (sejam eles democratas ou republicanos) acham que os americanos estão no lado certo e os outros estão do lado errado. O Presidente Bush diz: Nós estamos do lado certo, quem quiser venha e quem não quiser não venha.

Agora, a diferença, julgo eu, é mais estratégica do que política ou ideológica. Isto não é a resposta à sua pergunta mas é um conjunto de reflexões que a sua pergunta me suscita porque a sua pergunta por natureza não tem resposta, é uma resposta que nós iremos descobrindo à medida que a evolução do sistema internacional se for dando. (PALMAS)

Sérgio Dias (Grupo Bege)

Muito bom dia a todos. A pergunta do grupo bege é a seguinte:

O recente atentado às instalações da ONU em Bagdad leva a pensar que ela é hoje um alvo declarado de grupos terroristas. Face a esta conclusão deverá ou não repensar-se quer a estrutura quer o funcionamento dessa organização? Obrigado.

PALMAS

José Matos Correia

Esta é mais fácil de responder. Ou melhor uma parte dela é mais fácil de responder, porquê? Porque eu acho que não há relação entre a alteração da estrutura e o funcionamento das Nações Unidas e o problema daquilo que se passou com as Nações Unidas no Iraque.

As Nações Unidas e em particular, infelizmente, o Sérgio Vieira de Melo estavam no local errado no momento errado, porque se repararem há, de facto, uma alteração qualitativa com aquilo que se passou no Iraque há 3 semanas atrás. Não há memória de atentados daquela natureza às Nações Unidas, é raríssimo um atentado a personalidades importantes das Nações Unidas, é raríssimo. Eu só me lembro, enfim como aliás foi referido pelos meios de comunicação social, só me lembro de um caso similar de um alto responsável das Nações Unidas, que foi o Conde de Bernardete que foi assassinado no final da década de 40. Desde então não me lembro de nenhum alto responsável das Nações Unidas ter sido assassinado, ainda para mais pela forma como foi planeado o atentado ao hotel em Bagdad. Foi mesmo “intuitus personae”, foi feito daquela maneira para ser no sítio onde estava o Sérgio Vieira de Melo, com um objectivo claro, o objectivo de intimidar as Nações Unidas e porquê?

Porque as Nações Unidas não são atacadas como são os Estados Unidos da América, atacadas do ponto de vista político. Quer dizer, é fácil explorar o sentimento anti-americano entre os Iraquianos, não é fácil explorar o sentimento anti-Nações Unidas, pelo contrário, as Nações Unidas foram quem sempre esteve do lado das populações, mesmo nos momentos mais difíceis. O programa alimentar das Nações Unidas foi quem alimentou aquelaa gentea mesmo no período mais complicado das sanções. As Nações Unidas podem ter um papel determinante no auxílio à estabilização da situação social do Iraque e na reconstrução da sociedade iraquiana. O Presidente Bush não é parvo e percebeu isso quando permitiu aquela resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a 1483, que permite a presença das Nações Unidas em determinados moldes no Iraque. Atacar as nações Unidas é uma forma de atacar, e tentar levar para fora do Iraque quem tem a confiança dos iraquianos. É uma maneira de impedir o envolvimento internacional ou de tentar impedi-lo, justamente numa circunstância em que esse envolvimento internacional é querido pelos iraquianos, ao contrário do que acontece com a presença da coligação inglesa e norte-americana.

Agora, a meu ver, não está directamente relacionado com a outra questão que colocou, que é o problema de reorganização da ONU. Não é a reorganização da ONU que vai impedir que coisas destas aconteçam. A reorganização da ONU é evidentemente indispensável, porquê?

Reparem, a Carta das Nações Unidas é um anacronismo histórico. A Carta das Nações Unidas foi feita em 1945 e para vos dar um exemplo do anacronismo histórico, a Carta das Nações Unidas continua a falar num dos seus artigos finais nos Estados Inimigos, querendo com isso referir-se à Alemanha e ao Japão. Portanto, a Alemanha é hoje membro das Nações Unidas, é há 30 anos, desde o início da década de 70 e tem normas na Carta das Nações Unidas que são dirigidas contra ela, que era um Estado Inimigo na 2.ª Guerra Mundial. Isto para já não dizer que a Carta das Nações Unidas tem uma referência ao Conselho de Tutela, quando o regime da tutela já não funciona. Mas, mais grave do que isso, a Carta das Nações Unidas tem um défice de legitimidade, isto vai a um ponto que é sensível, mas a meu ver importante. Nós vivemos uma circunstância internacional muito curiosa, que é esta, que foi muito explorada a propósito da Guerra do Iraque:

Em Portugal confundiram-se 2 conceitos durante a guerra, a ilegalidade e a ilegitimidade. Disse-se muita vez que a guerra no Iraque foi uma guerra ilegítima porque não foi autorizada pelas Nações Unidas. Quanto muito o que posso dizer é que a guerra no Iraque foi uma guerra ilegal porque não foi autorizada pelas Nações Unidas. O problema da ilegitimidade é um problema que se coloca num plano diferente, e eu até posso dizer, se calhar, que a guerra no Iraque foi legítima porque visou destronar uma ditadura sanguinária chefiada por um senhor chamado Saddam Hussein. O problema é um problema de legalidade, não é um problema de legitimidade.

Agora nós vivemos uma circunstância curiosa, que é esta: nós afunilámos a segurança internacional para um beco sem saída, porque o que dizem as pessoas que criticaram a intervenção militar dos Estados Unidos, é o seguinte:

Só pode haver uma guerra se houver autorização das Nações Unidas, como nunca há uma autorização das Nações Unidas, (houve a questão do Iraque em 1991 e mesmo aí não é fácil classificar a decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas), vivemos numa situação paradoxal, que é esta: O Conselho de Segurança tem a capacidade exclusiva para determinar se pode haver ou não uma guerra, mas como o Conselho de Segurança não decide, das duas uma as guerras que há são ilegais ou não há guerras e,  não se podem punir os prevaricadores. E fomos conduzidos a uma situação destas, que é de facto uma situação abstrusa, da qual não podemos sair, por uma razão simples: É que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança não são parvos e então puseram uma norma na Carta das Nações Unidas que diz o seguinte:

A Carta das Nações Unidas para ser revista tem que requerer obrigatoriamente o voto favorável dos 5 membros permanentes.

E, portanto, o que em 1945 foi feito na Conferência de São Francisco foi isto: “Definam-se as regras as regras só mudam se nós quisermos. É claro que nós não queremos, e como nós não queremos as regras não mudam”. Isto tem consequências muito complicadas, por exemplo, do ponto de vista da legitimidade das Nações Unidas. O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem 15 membros, inicialmente tinha 11 e no início da década de 60 passou a ter 15. Quando as Nações Unidas foram criadas tinham 51 membros, as Nações Unidas têm hoje quase 200. O que eu lhes vou dizer é um pouco ridículo mas para perceberem o meu raciocínio, porque é que Portugal e a Espanha não são Membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas? Nós também dividimos o mundo em Tordesilhas, porque é que não devemos ser membros do Conselho de Segurança? Ou porque é que as potências signatárias da paz de Vestefália não hão-de ser membros permanentes do Conselho de Segurança? Ou as potências signatárias do Congresso de Viena não hão-de ser membros do Conselho?

Quer dizer, não tem sentido! A 2.ª Guerra Mundial foi uma guerra importante mas foi uma guerra como houve muitas na História da Humanidade. Tem algum sentido perpetuar, mais de 58 anos do final da guerra, um determinado status quo? Porquê? Por uma razão simples: os que venceram a guerra não querem alterar esse status quo. Nós precisamos, por exemplo, de alterar a composição do Conselho de Segurança, porque é que o Brasil não há-de ser membro do Conselho de Segurança? Qual é o critério para ser membro do Conselho de Segurança? É ser rico? Então o que é que a China e a Rússia lá estão a fazer? É ter armas nucleares? Então porque é que, pelo menos, o Paquistão e a Índia não hão-de lá estar? Qual é o critério? Não há! O critério é: Ganhámos a guerra, estamos aqui daqui não saímos, daqui não saio daqui ninguém me tira. E estamos numa situação em que o Conselho de Segurança já não reflecte nem o status quo de 45 nem sequer o carácter muito diversificado da comunidade internacional, porque nós temos 10 lugares de membros não permanentes para representar 190 Estados, o que não tem sentido. Era fundamental revermos a Carta, alterar a estrutura da organização e alterar os poderes da organização mas isso só se os 5 membros permanentes quiserem e isso os 5 membros permanentes não querem. Repare que em 1995 o professor Freitas do Amaral foi Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas e ele disse que a sua grande prioridade, a grande prioridade da sua presidência era rever a Carta das Nações Unidas, 8 anos passados já nem se fala da revisão da Carta, porque os 5 membros permanentes nem querem ouvir falar nisso.

PALMAS

Pedro Coelho (Grupo Castanho)

Bom dia a todos. Amanhã será o dia 11 de Setembro, um dia que ficou marcado pelos acontecimentos mais terríveis na História da Humanidade. Mas desde então tornou-se visível, principalmente para o Mundo Ocidental, que o que acontece do outro lado do mundo tem repercussões económicas e nós vimos, por exemplo, o caso das companhias aéreas bem imediatas e bem perto de nós. A questão é:

Como contornar esse efeito perverso da globalização no nosso dia a dia?

José Matos Correia

Sabe que eu às vezes, faz amanhã (como você reparou e bem) dois anos, mas ainda hoje às vezes acho que não reflectimos bem, em Portugal em particular, sobre isto do onze de Setembro. Lembro-me que estava à frente de uma televisão no dia onze de Setembro, estava a ver as imagens transmitidas em directo com a CNN, (a CNN é um dos grandes causadores da globalização, mais de que um produto, ela própria é um causador da globalização), estava a olhar para a televisão e estava a pensar, quando foi o ataque à primeira Torre, estava a pensar com os “meus botões”: “mas tanto sítio que tinham para chocar um avião, tinham que ir chocar nas Torres gémeas”, como é que alguém se lembra de ir bater naquilo, num sítio daqueles, daquele tamanho, porque não me passou sequer pela cabeça, (e, as primeiras interpretações se recordarem foram que teria havido um acidente), como é que alguém vai bater nas Torres gémeas, aquilo vê-se tão bem ao longe. Depois só, de facto, à segunda é que percebi que dois baterem era um bocado complicado, era coincidência a mais.

Naquelas alturas, (isso ter-vos-á acontecido a muitos de vocês) passa-nos pela cabeça tudo e mais alguma coisa, em particular nós não podemos deixar de sentir algum receio face às consequências de um acto daquela magnitude, ainda por cima, porque ouvimos, mas não vimos, que havia um avião que já tinha caído no Pentágono, havia um avião que se dirigia à Casa Branca, entretanto se tinha despenhado, nós temos uma atitude natural e saudável de receio face às coisas que desconhecemos. O primeiro raciocínio, julgo eu, que fazemos nessas circunstâncias, não é um raciocínio económico, é um raciocínio político, é o que é que vai acontecer? Quer dizer, não é impunemente que se ataca a única super potência que resta no seu coração. Quem faz isto se calhar tem a capacidade para fazer muito mais, e, quem é que fez isto? Primeira pergunta.

Só num segundo momento é que nós pensamos nas consequências económicas deste facto, curiosamente as consequências económicas é as que se fazem sentir de imediato, é absolutamente extraordinário como é que nós continuamos a ter aquele raciocínio dos Estados, do poder dos Estados, do poderio militar, mais isto, mais aquilo, e depois um grupo terrorista tem mais consequências sobre o funcionamento da economia mundial e das bolsas pelo Mundo inteiro, do que um Estado, com a Rússia ou a China poderiam ter. Isso é consequência da globalização, não é apenas, mas também é consequência da globalização, porque mesmo que não houvesse a globalização nos termos em que nós a temos hoje teria sempre um efeito extremamente negativo, porque as pessoas deixam de andar de avião, porque há instabilidade não há investimento, etc.

Agora é evidente que a globalização amplifica estes tipo de efeitos perversos, como você referiu, como é que isto se resolve? Se quisesse ser um bocadinho demagógico diria: que o caminho para resolver os problemas da globalização, é mais globalização, mas é uma globalização bem feita, nós temos que aprender todos a raciocinar num determinado contexto, e, o determinado contexto é que não vale a pena, os Franceses perderam numa primeira fase a segunda Guerra Mundial, apesar de terem a inexpugnável linha Maginot, porque nunca nos passou pela cabeça que o Hitler dava a volta e atacava pelas traseiras, como não era parvo, de ir directamente à linha mais fortificada do Mundo.

Os estados têm que perder a noção em definitivo, que a sua soberania constitui uma espécie de linha Maginot, porque não é, e, mesmo que fosse haveria sempre maneira de dar a volta à linha Maginot, portanto, tem que se perceber que, era o que eu dizia no final das minhas considerações, há uma preocupação de regulação que é indispensável, e, a regulação só se faz se todos perceberem que todos têm que estar envolvidos, não é por acaso que Países como a Rússia e a China, atribuíram grande prioridade à sua inserção nas Organizações Económicas Internacionais. Nós às vezes quando raciocinamos as consequências do final da Guerra Fria refugiamo-nos muito no político, estes e estes Países passaram a ser da NATO, o pacto de Varsóvia acabou, houve Países que aderiram à União Europeia que dantes eram comunistas, mas esquecemo-nos que o final da Guerra Fria teve consequências extraordinariamente importantes do ponto de vista das Organizações Económicas Internacionais. Repare, nós assistimos a uma universalização das Organizações Económicas Internacionais que supostamente eram Universais, mas não eram.

A grande maioria dos Países do Mundo, não pertenciam às Organizações Económicas Internacionais, Países como a China, como a Rússia, como os Países de Leste, etc., não pertenciam, porque viam nas Organizações Económicas Internacionais, o FMI, Banco Mundial, GAT, etc., uma forma de projecção de poder dos Estados Unidos e o modelo capitalista de vida. Quando acaba a Guerra Fria nós vemos que mesmo os Países que se mantêm fiéis ao comunismo, como é o caso da China, pelo menos dizem eles, interessados em participar nas Organizações que gerem o Sistema Económico Internacional, por isso é que a China atribui tanta importância a entrar na OMC, por isso é que a Rússia não descansou enquanto não entrou para o Fundo Monetário Internacional e para o Banco Mundial, portanto, é a convicção de que a globalização se faz e que tem que ser regulada, mas tem que ser regulada através de mecanismos multi-laterais que definam regras claras, que tenham poder e que todos aceitem.

Mas um outro aspecto que também tem que ser sublinhado, é que a regulação económica também se faz fortalecendo cada uma das partes envolvidas, nós estamos numa economia que cada vez menos pode ser vista na perspectiva atomística dos Países que se movimentam sós, mas na perspectiva dos blocos económicos, os próprios Estados Unidos que são quem são, se viram na necessidade no final da Guerra Fria de criar realidades como a NAFTA – Northern American Free Trade Association, de entrar em acordo com os seus parceiros da bacia do Pacífico e criar a APEC – Agency Pacific Economical Coorporation, portanto, nós temos justamente, porque a competição se globalizou, temos um ensaio de modelo de regulação que passa pela criação de organizações universais a que todos pertencem e cujas regras todos aceitem, mas também ao fortalecimento dos diferentes pólos económicos, por forma a que se aplique aqui também o princípio da união faz a força, porque face aos desafios da globalização, nenhum País, nem os Estados Unidos da América estão em condições de sozinhos enfrentarem os desafios que a globalização coloca. (PALMAS)

Carlos Coelho

Como estamos quase em cima da hora limite, para terminar os trabalhos do meio dia e meio, e, faltam dois Grupos, vamos alterar um bocadinho o sistema que temos seguido, os dois Grupos colocam as duas questões em conjunto, depois o Doutor José Correia responde em conjunto também a cada Grupo, Grupo Cinzento - Tiago Fernandes.

Tiago Fernandes (Grupo Cinzento)

Bom dia a todos. Como sabemos começa hoje em Cancun a Conferência da Organização Mundial de Comércio, é interessante reparar que se anteriormente os protagonistas eram os Estados Unidos e não a União Europeia, se digladiavam e impunham aos outros membros os seus acordos, agora foi criado um grupo de Países em vias de desenvolvimento liderados pelo Brasil, a Índia e a China, esses Países aceitam negociar apenas caso o dossier agrícola seja resolvido à semelhança de Joanesburgo

A pergunta do Grupo Cinzento, vai no sentido de saber se existe o dilema PAC – Organização Mundial do Comércio na União Europeia e nos Estados Unidos?

Cláudia Duarte (Grupo Azul)

Antes de mais bom dia, peço desculpa por vos demorar assim uns vinte segundinhos a mais, mas agora que tenho oportunidade, porque ainda não tinha tido oportunidade de o fazer, gostava de dirigir um agradecimento muito especial ao Carlos Coelho, muito especial mesmo... (PALMAS) ...não apenas pelo empenho, mas pela brilhante coordenação e organização da iniciativa, e, pela enorme capacidade de trabalho que nós devíamos todos tomar como exemplo... (PALMAS) ...depois, um agradecimento também que acho que tem sido um bocadinho esquecido, a toda a equipa que trabalha com o Carlos Coelho e connosco, sozinho ninguém trabalha e têm-nos apoiado ao longo deste dia, depois um agradecimento ao Doutor José Correia, não apenas por nos brindar com a sua presença, mas também com a eloquência das palavras que nos tem dirigido até aqui, muito obrigado. (PALMAS)

Agora a nossa pergunta. O Doutor José Correia falava-nos à bocadinho em atraso estrutural económico e em zonas pobres, como um denominador comum, ao surgimento e ressurgimento dos fundamentalismos, ou no outro registo como nos elucidou aos radicalismos islâmicos, e, sendo claramente uma causa de instabilidade mundial, a nossa pergunta é: não será de apostar em políticas sérias, fundo de apoio e de prevenção a estas assimetrias que geram depois estes fundamentalismos, como forma de prevenir esta instabilidade mundial? Muito obrigado.(PALMAS)

José Matos Correia

Bem, muito rapidamente, peço desculpa, porque eu próprio não controlei o tempo como devia, e, porventura terei que responder a estas perguntas mais rapidamente do que fiz relativamente a outras, pedindo desculpa à Organização pelo facto.

Julgo que a resposta à vossa questão, é uma resposta que deve ser dada de forma clara, se há uma ligação directa entre a questão da PAC e a questão do sucesso das negociações multi-laterais comerciais? Há claramente, e, não é de agora, porque se recordarem, o Carlos recorda-se disso certamente, em mil novecentos e noventa e dois, uma das grandes razões pelas quais foi feita a reforma da PAC, foi justamente, porque a reforma da PAC era imprescindível para as negociações que estavam a decorrer em Maraqueche, e, que conduziram à criação da Organização Mundial do Comércio.

Agora é evidente que a Organização Mundial do Comércio como todos sabem, e, os acordos obrigatórios da OMC, isto como sabem na OMC há vários tipos de acordos, há o compromisso único e depois há um conjunto de acordos que são facultativos, mas a OMC ultrapassa em muito isso e há outras muitas questões que vão ter que ser discutidas, a propriedade intelectual, enfim, muitas outras questões, a melhoria em matéria de redução de direitos alfandegários em muitas áreas, em muitos Países, etc. Agora há, de facto, uma questão agrícola que é muito complicada, a agricultura europeia americana é uma ficção completa, o Carlos Coelho está mais à vontade do que eu para falar nestes termos, mas o que não se faria de bom na Europa se não se gastasse a percentagem do orçamento que se gasta na política agrícola, só que, como repararão, alguns dos protagonistas sociais com mais peso na Europa, são os agricultores Franceses e Alemães. Nós já temos assistido a manifestações da importância dessas classes ou desse sector da sociedade nesses Países. A política agrícola comum foi feita para garantir o desenvolvimento da agricultura europeia, e, auto-subsistência da Europa em matéria de agricultura, a Europa agora não sabe o que é que há-de fazer a tanta agricultura. Hoje em dia felizmente a circunstância é diferente, mas passámos por períodos onde se morria de fome em não sei quantos sítios do Mundo, e, onde a Europa pagava milhões e milhões de contos anuais para ter câmaras frigoríficas com leite e manteiga.

Portanto, a política agrícola não é de facto um aspecto essencial, não é das negociações da OMC, é de um processo de integração europeia, nós devíamos ter a coragem de dizer que a Europa não pode pagar aquilo que paga, para manter um sector marginal da produção económica europeia, agora alguém tem coragem para fazer isso? Gostava de ver o Senhor Deputado Português ao Parlamento Europeu, Carlos Coelho dizer isto no Parlamento Europeu, nunca mais seria visto a entrar no Distrito de Santarém. Esta questão é pois, importante, e, nós não podemos subestimar. Você chamou bem a atenção, para um ponto essencial, que é o ponto do Presidente Lula no Brasil. O Brasil está hoje disposto a liderar uma determinada frente em função do voluntarismo do Presidente Lula, e, do que ele significa enquanto líder, não apenas no plano Brasileiro, mas no plano internacional, que Presidentes anteriores do Brasil não estavam disponíveis. Portanto, vai haver negociações muito complicadas, porque os Países mais subdesenvolvidos podem entrar numa estratégia de tudo ou nada: não dão na agricultura, não há evolução noutros níveis. Como é que se dá a volta a este texto? Como sempre se dá a volta ao texto nas Relações Internacionais: barafusta-se, barafusta-se, mas depois há sempre uma solução qualquer, em que cada um cede um pedaço e se arranja uma solução. Agora que isto vai ser complicado, vai, do lado de lá e do lado de cá. E, um bloco forte de Países do terceiro Mundo quase que um ressuscitar do movimento dos não alinhados, liderado desta vez, não por Nasser ou pelo Tito, mas pelo Lula da Silva, pode ser uma situação complicada do ponto de vista da gestão do sistema económico internacional.

Última questão e já agora, também tiro dez segundos dos minutos que já não tenho, para fazer um comentário, só para dizer que eu só acredito nos elogios que você faz ao Carlos, e às palavras simpáticas que me dirigiu a mim também, porque isto é uma Universidade onde não há classificações... (RISOS) ...não passam, nem chumbam, se a Universidade fosse de passar ou de chumbar, julgaria que os seus elogios eram motivados por outra razão, assim acredito que são genuínos... (RISOS, PALMAS).

Agora quanto à sua pergunta, deixe-me utilizar outra vez a questão da Saúde, nós tivemos por exemplo no ano passado, infelizmente parece que vamos ter outra vez este ano, a questão do síndroma respiratório agudo. A melhor maneira em todos os domínios de evitar estes problemas é preveni-los, seja no síndroma respiratório agudo, seja no ponto de vista da erupção dos radicalismos políticos, a melhor maneira de resolver os problemas é preveni-los, portanto, é evidente, não tenho a mínima dúvida em dizer que há no problema Palestiano, por exemplo, uma parcela do problema que é motivada por uma estrutural luminosidade histórica e religiosa, entre os Países Árabes e Israel, mas também não tenho a mais pequena dúvida, que se na Palestina se vivesse como se vive em Portugal, os problemas do radicalismo Islâmico não eram os que são, é tão simples como isto. Dou-vos um exemplo que conhecem do ponto de vista da estruturação das sociedades modernas, e, do ponto de vista da relevância política das diferentes forças, porque é que é em todos os Países da Europa os Partidos Comunistas estão em declínio? Porque os Partidos Comunistas encontravam sempre a sua base de apoio entre as classes mais desprotegidas, que viam no radicalismo político dos Partidos Comunistas, uma forma de conquistar poder para si e tirar daí vantagens. À medida que vamos assistindo a uma melhoria das condições de vida, nós assistimos a uma centralização da vida política, não se ganham eleições nos extremos, ganham-se eleições ao centro, não se faz política com discursos ideológicos extremados, tivemos ocasião de ver um discurso desses este domingo mas aquilo “não dá a bota com a perdigota”, aquilo tem sentido para uns milhares de pessoas, mas para a maior parte das pessoas aquilo já não entra, isso é uma coisa que os Comunistas Portugueses ainda não perceberam. Mas eu percebo que os Comunistas vivem numa angústia, se têm discursos daqueles ficam com o seu “gueto” mas tem apoio, mas se mudam o discurso não há razão para votar neles nem para os apoiar.

Portanto, tal como a experiência das sociedades demonstrou que a melhoria das condições de vida é a melhor maneira de combater os radicalismos e de pacificar as sociedades, subsistem outros factores. A Inglaterra é uma sociedade próspera ou a Irlanda, e, têm problemas causados por outras razões de natureza religiosa que têm a ver com a Irlanda do Norte. Também não vou ao ponto de dizer que o fundamentalismo Islâmico acabava e os Islâmicos, os Israelitas e os Judeus se passavam a dar bem, só porque toda a gente passava a viver bem, não, porque há outros factores que são subjacentes ao litígio. Mas não tenho a mais pequena dúvida que se houvesse uma política diferente de auxílio à reconstrução económica desses Países, isso evitaria os problemas “ab ovo”, do “ovo” no início, aí acho que os Países Ocidentais têm tido alguma miopia e, não é só aí, é em todo o Mundo e, não é por não terem dado dinheiro, é porque muitas vezes permitiram que o dinheiro fosse mal gasto, porque dar dinheiro dão, mas depois também apoiam ditadores que em vez de utilizarem o dinheiro no bem estar das populações desviam para as suas contas pessoais... (PALMAS) ...depois vêm dizer com aquele ar seráfico: “bom como a França diz, pois, de facto, o Bokassa não era flor que se cheirasse... (RISOS) ...ou vêm, como vieram agora os Ingleses dizer, bom a gente não devia ter apoiado o Idi Amin”, mas apoiaram, e, em determinados momentos, acho que em particular nessas questões que têm a ver com África, muitas vezes a Europa ainda não se curou de um certo complexo colonial, acha que como foram antigas colónias não pode dizer nada, porque se disser é uma ingerência inadmissível nos assuntos internos dos Estados.

Há um problema, que é um problema que eu não tenho tempo para desenvolver, mas com o qual queria fechar as minhas intervenções, que é este: não há coisa pior para perder a credibilidade do que o “double standard”, do que o duplo critério perante a mesma circunstância. Isso é uma das coisas que dá cabo do Direito Internacional, nuns casos porque dá jeito faz-se, noutros casos porque não dá jeito não se faz. Ou temos uma política de princípios e valores, ou não temos, porque a única que a longo prazo rende é a de princípios e valores, a outra pode render a curto e médio prazo, mas nunca rende a longo prazo. Como se viu no caso da União Soviética, nós nunca prescindimos dos nossos princípios e valores e ganhámos. O problema do “double standard” é um problema complicado, porque depois nós não podemos dizer: “vamos fazer guerra ao Saddam Hussein e tirá-lo, porque é um ditador terrível”, mas depois fechamos os olhos a ditadores, porque gerem politicamente ou gerem estrategicamente e nos dão jeito, porque nos permitem ter lá umas bases que nos são favoráveis. Ou arranjamos uma política coerente, ou então, estamos a criar condições não para resolver os problemas, mas eventualmente até para agravar algumas das situações mais delicadas como é o caso deste tipo de circunstâncias. Temos que ter a noção que temos que resolver o problema na origem, temos que dar dinheiro, porque se não dermos dinheiro não há maneira de resolver os problemas, mas temos que ter a coragem de dizer: “não damos dinheiro se o Senhor ficar no poder. Temos que ter a coragem de impor condições, se não o fizermos estamos a criar condições não para resolver os problemas, mas eventualmente para agravar certo tipo de problemas, porque volto àquilo que disse durante a minha intervenção, não é por acaso que não há radicalismos Islâmicos na Arábia Saudita, portanto, costumo sempre dizer “é prosaico, mas é verdadeiro”, as pessoas quando têm a barriga cheia e a vida realizada não se preocupam com certas coisas.

Deixem-me ser poético para acabar a minha intervenção: a existência humana tem a ver com a perseguição da felicidade, nós andamos cá para sermos felizes, se formos felizes não estamos chateados com uma série de coisas. Se conseguirmos garantir a um conjunto de pessoas, um conjunto de condições, não resolvemos todos os problemas, que há problemas que não estão dependentes dessas questões, o planeta nunca será o paraíso, nem nós nunca seremos uns anjinhos com um ar contentinho, sempre a darmo-nos bem uns com os outros, nunca será assim, é da índole humana a conflitualidade e a afirmação de interesses contraditórios, mas se formos capazes de resolver os problemas económicos, estaremos a resolver pelo menos dois terços dos problemas na sua origem, estaremos a contribuir para a criação dum Mundo muito mais organizado e muito mais pacífico do que aquele que existe hoje.

Por aqui me fico. (PALMAS)

Carlos Coelho

Agradeço em nosso nome ao Doutor José Correia a sua intervenção, vou acompanhá-lo agora à saída, pedia ao Helder para se juntar aqui ao Jorge Nuno, para as últimas acções antes da interrupção dos Trabalhos.

Jorge Nuno Sá

Pedia-vos só alguma atenção para um facto antes de começarmos as votações, não sei se me ouvem bem, foi-vos distribuída a avaliação secreta, da votação secreta, onde a última pergunta é sobre os suportes, como os suportes desta intervenção ainda não foram distribuídos, pedia-vos que só votassem mais tarde, porque... isto foi alertado pelo Carlos Coelho no princípio da intervenção, portanto, imagino que se alguém quiser reconsiderar o seu voto na avaliação do tema sobre “Os Suportes”, que já o tenha feito antes de ter os próprios suportes, o possa fazer dirigindo-se à organização e pedindo um novo boletim de voto.

Vamos então começar a votação por filas. A primeira fila por favor, já está? Dê-me sinal. Segunda fila por favor.

Agradecia que não baixassem enquanto quem está a contar não desse indicação disso, porque se não é muito complicado.

Quarta fila por favor. Última fila, agradecia aos que estão nas cadeiras de trás que também votassem com a última fila. Bruno o teu boletim não está visível.

Muito obrigado. Penso que ontem foi aprovada uma Moção também na Sessão de Trabalho, relativamente ao almoço que temos que cumprir hoje, portanto, levando o Carlos Coelho a almoçar sem qualquer hesitação... (PALMAS) ...como está previsto à uma hora será servido o Buffet, até já.